Escrito por: CNM CUT

Auto: Chineses chegando no Uruguai e Argentina

É fato: a montadora chinesa Chery prepara o terreno para sua chegada ao Mercosul com produção local - o que faria dela a primeira da espécie. Mas não com o compacto QQ, como seria simples imaginar: a primeira cria chinesa na região está sendo gestada como o SUV compacto Tiggo, do mesmo porte de um Ford EcoSport.

A operação, entretanto, tem seus mistérios. Primeiro por formar a dupla China-Uruguai via capital argentino. E segundo pelas curiosas nuanças, negociações e mudanças de rumo.

MACRI - Concreto é que a Chery chega ao Mercosul via Francisco Macri, empresário argentino proprietário da Socma. Oficialmente as companhias dizem que formarão a Chery Mercosul tendo a Chery com 51% do capital e a Socma com 49%. Entretanto o único passo neste sentido foi a criação da Chery Socma Argentina SA. em 2 de março de 2007, conforme publicado no diário oficial do país. Lá consta apenas Macri como sócio de um capital anunciado de 50 mil pesos, o argentino Robero Maffioli como presidente e o italiano Armando Armasanti como diretor. Dentre as atividades declaradas estão produção, comercialização e manutenção de veículos. E a empresa confirmou que será responsável pela Operação Uruguai - nenhuma coincidência com o plano homônimo para salvar a pele de ex-presidente brasileiro, aquele mesmo cujo nome não se pronuncia diante de crianças e senhoras.

A julgar por estes dados é plausível deduzir, então, que o investimento para bancar a Chery no Uruguai - anunciado oficialmente como US$ 100 milhões - vem apenas da Socma.

Macri tem larga experiência no setor automotivo: era o dono da Sevel, que produziu e vendeu Fiat e Peugeot na Argentina até meados dos anos 90. Do riscado, portanto, ele entende.

Ainda oficialmente a escolha do Uruguai deve-se ao fato de a Socma possuir lá planta de blindagem de veículos, área que será aproveitada. Mas na realidade a fábrica pertence à Oferol, empresa blindadora uruguaia. E a Oferol deveria ser uma das sócias do negócio, mas desistiu - preferiu apenas produzir. No contrato assinado, entretanto, a Socma ganhou opção de compra da fábrica no futuro. E mais: apesar de ter pulado fora desta sociedade a Oferol assinou por meio da Bognor, do mesmo grupo, outro acordo com a Chery para blindar veículos na China.

Outro ponto curioso é que a Chery decidiu não repatriar dólares de royalties na Operação Uruguai - trocará o dinheiro por mercadorias, especialmente couro uruguaio para os bancos de seus carros na China.

O fato é que Macri já tem o acordo assinado com os chineses no bolso. Mas dificilmente conseguirá cumprir a meta anunciada de começar a vender os veículos neste 2007 - ao menos no Brasil. Também já foi acertado que a Socma cuidará da comercialização dos Chery no Uruguai e na Argentina, mas não no Brasil: a própria montadora tocará o processo aqui, o que ainda deverá levar tempo.

Dois grandes grupos de distribuição no Brasil confirmaram contatos com a Chery - mas nada além disso. Cabe salientar que na assinatura do contrato com Macri falou-se em venda apenas no Uruguai e na Argentina - o Brasil, de repente, sumiu do mapa.

E nenhum Chery será visto, por enquanto, na forma de um compacto com cara sorridente chamado QQ. Maior possibilidade está no mini-SUV Tiggo, já escolhido para abrir a linha. Antes a Chery afirmara que o QQ seria produzido no Uruguai, mas o contrato com a Socma cita apenas o Tiggo e 'um segundo modelo'.

Possível explicação é que produzir a nova geração do QQ, apresentado como o carro-conceito S16 WOW, faria mais sentido numa operação nova. Outra possibilidade é a versão sedã do compacto, já à venda na China.

Ford, Marcopolo e VW também de olho no Uruguai

A Chery não é a única interessada em produzir veículos no Uruguai, ainda que de forma terceirizada. Também Ford, Marcopolo e Volkswagen negociam contratos semelhantes.

Do grupo a mais adiantada nas discussões é a Ford. Seus representante, vindos da filial argentina, já negociaram com o governo local em conjunto com a Nordex, que atualmente monta caminhões Renault e Eaolus, marca chinesa, além de utilitários Mahindra. E experiência a empresa tem: já produziu diversos modelos Renault, o mais recente deles o Twingo até início deste século, versão que foi vendida também no Brasil.

A Volkswagen, segundo o governo local, também negocia acordo semelhante, mas estaria em estágio inicial de conversas.

Já a Marcopolo entrou na dança envolvendo contrato de renovação de frota de ônibus. Venderia mas em contrapartida utilizaria certo volume de autopeças uruguaias. Falta decidir se as peças viriam de lá ou se os veículos seguirão incompletos para finalização de montagem no Uruguai.

A Socma afirma que pretende produzir 25 mil unidades/ano 'num primeiro momento, chegando a 100 mil/ano na plena capacidade'.

O Tiggo tomaria carona num mercado totalmente desbravado pelo EcoSport, que reina sozinho até hoje em sua faixa de mercado. Além de segmento menos disputado permite bom marketing de imagem de marca e menor guerra de preço. Na China é vendido com motores 1.6, 2.0 com opção de câmbio automático e 2.4, todos gasolina e com tração 4x2 ou 4x4.

E Macri não terá dificuldades para, de fato, colocá-lo à venda. Com o novo acordo bilateral Brasil-Uruguai (veja box) basta que ele alcance 30% de conteúdo de autopeças fabricadas no Mercosul para ver o Tiggo livre de impostos para o bloco no primeiro ano de produção. E terá mais quatro primaveras para chegar aos 60% exigidos.

Naturalmente que o governo uruguaio gostaria de ver boa parte desse total produzida lá mesmo, mas parece quase impossível ao menos no princípio não contar com autopeças fabricadas no Brasil ou na Argentina - ou pelo menos por empresas originárias destes países.

Essa não será, de qualquer forma, a primeira experiência da Chery na América do Sul. A empresa já comercializa modelos na Venezuela, importados da China. A iniciativa também deverá influenciar os passos da Chery no Mercosul.

Lá, por exemplo, a empresa oferece o QQ - que não é o modelo mais barato do mercado. É vendido ao equivalente a R$ 21 mil na versão de entrada, com motor 1.1. Como comparação, um Ford Ka sai por aproximadamente R$ 18 mil, e com motor 1.6.

O Tiggo é vendido somente na configuração 2.4 litros 4x2 próximo a R$ 53,5 mil. Um EcoSport semelhante, 2.0 4x2, custa naquele mercado o equivalente a R$ 41,5 mil.

A Chery vendeu na Venezuela no primeiro bimestre 398 unidades segundo a Cavenez, a Anfavea local. Isso representa 0,54% das vendas totais do período por lá, 62 mil unidades. Outras chinesas estão lá, como a Great Wall, SAIC, Chana e Haifei. Mas nem todas unidas chegam a incomodar: representaram no mesmo período 2% do mercado venezuelano, com 1 mil 185 unidades.

CHEGANDO - Que as chinesas estão chegando e a Chery é a própria personificação dessa tendência não resta dúvida. E que em algum momento aportará por aqui, seja pela mão de quem for, também.

Mas também não resta dúvida de que passará por longo período de aprendizado e terá, de uma forma ou de outra, de se adaptar às regras - de produção e de mercado. A forma com que fará isso balizará, ou não, seu sucesso em terras do Mercosul.

A pressão funcionou

O anúncio da produção Chery no Uruguai atiçou o governo e os empresários do setor automotivo do país, que bradaram contra o livre comércio com o Brasil que deveria ter começado em janeiro. E conseguiram: o ministro Furlan foi a Montevidéu e assinou novo acordo, até julho de 2008.

A maior alteração ficou nos caminhões e ônibus, que agora têm comércio bilateral livre dentro dos parâmetros do Mercosul - antes os caminhões tinham cota inferior a 1 mil unidades. Nos automóveis manteve-se a cota de 6,5 mil unidades/ano do Brasil para o Uruguai e 20 mil unidades/ano do país da seleção celeste para cá.

Mas abriu-se um novo leque: o Uruguai poderá enviar outros 2 mil automóveis/ano livre de impostos. A diferença é que, neste caso, eles deverão ser blindados.

Nos casos em que automóveis com mais de 60% de conteúdo local Mercosul forem produzidos no Uruguai a cota inexiste. E o novo acordo manteve alguns itens da regra anterior, como o índice mínimo de 30% de conteúdo local para novos projetos e cinco anos de carência para os 60% - no Brasil e na Argentina o mínimo parte de 40%.

Chineses podem produzir na Argentina também

O grupo argentino Macri pode retornar à produção automotiva por meio da parceria que fez com a chinesa Chery. A empresa já constituída naquele país, a Shima Macri, planeja produzir em 2008 diversos modelos da Chery na Argentina, segundo a agência Flash de Motor.

Fontes do Grupo Macri e da Chery confirmaram a intenção recentemente, quando anunciaram oficialmente a produção de veículos no Uruguai durante o Xangai Auto Show. Zhou Biren, vice-presidente da Chery Automobile, disse que avaliará 'o projeto no Uruguai, que vamos fazer em sociedade com a Socma, do Grupo Macri. Depois projetamos abrir uma nova fábrica, que seria na Argentina'.

A Socma já produziu veículos Peugeot e Fiat na Argentina. Já esteve no Uruguai na década de 1980 produzindo modelos da Peugeot. Em associação com a Chery produzirá no Uruguai o utilitário esportivo compacto Tiggo. Afirma que fará 150 mil unidades ao ano a partir de 2007 e que o Tiggo mais barato será ofertado a US$ 25 mil.

No entanto, a Câmara de Autopartes do Uruguai informou que ainda não sabe dos movimentos que estão sendo feitos no país para a instalação da linha de montagem.

Fonte: Autodata