Escrito por: CNM CUT
Recém-chegado da Microsoft, Stephen Elop assume o posto de executivo-chefe com a missão de recuperar espaço
Qual foi a companhia europeia mais bem-sucedida dos anos 90? Fácil: a Nokia. A fabricante finlandesa de telefones celulares capturou o mercado emergente de aparelhos móveis e construiu a marca mais poderosa do setor. Seus telefones praticamente definiram o mercado desde que a empresa lançou o 1011, seu primeiro telefone no padrão GSM, em 1992. Entre 1996 e 2001, suas receitas quase quintuplicaram e, em 1998, a companhia assumiu a liderança como maior fabricante mundial de celulares. Em 2005, vendeu seu bilionésimo aparelho, um 1100, a um cliente na Nigéria.
Políticos se revezavam para elogiar a Nokia e colocá-la como exemplo de como a Europa poderia prosperar no século XXI. Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia, chamou a atenção para o sucesso da Nokia e de sua rival, a sueca Ericsson, em discurso em 2002. "Seus feitos com os telefones móveis ajudaram a criar dois centros vibrantes em torno de Oulu, na Finlândia, e Estocolmo, na Suécia, que atraíram um grande número de empresas iniciantes, assim como investimentos de companhias estrangeiras", afirmou Prodi. "Esses exemplos demonstram que regiões da Europa são capazes de desenvolver novos centros de alta tecnologia."
Agora, qual a empresa mais decepcionante dos anos 2000? De novo, fácil: a Nokia. A companhia entrou em queda pronunciada - o que ficou em maior evidência com o anúncio, no dia 10, de que estava contratando seu primeiro executivo-chefe não finlandês.
A preocupação da empresa foi manter sua participação de mercado, em vez de criar produtos inovadores
Da mesma forma que a ascensão da Nokia ensinou lições sobre como a Europa poderia ser bem-sucedida, sua queda também diz muito sobre os motivos pelos quais as companhias europeias - e as grandes empresas de todo o mundo - tropeçam com tanta frequência. Nos últimos três anos, só se ouviram notícias ruins sobre a Nokia. Desde que a Apple lançou o iPhone, em janeiro de 2007, as ações da Nokia caíram 49%. Em uma lista de marcas elaborada pela consultoria Millward Brown Optimor neste ano, a Nokia ficou em 43º lugar, uma queda de 30 posições em 12 meses. Suas margens de lucro encolheram, assim como sua participação de mercado e o preço médio de seus telefones.
A companhia, é certo, ainda detém cerca de 35% das vendas mundiais de telefones celulares. Mas ficou encalhada na faixa média do mercado. Fabricantes sul-coreanas, como a Samsung Electronics, lideram o principal segmento de varejo. O iPhone, da Apple, e o BlackBerry, da Research in Motion (RIM), dominam a faixa de alta padrão, a dos smartphones.
Admitindo o tamanho dos desafios, a Nokia contratou o canadense Stephen Elop, ex-chefe da unidade para empresas da Microsoft, para recuperar a empresa. Todo mundo vai desejar-lhe o melhor. (Seria necessário ter um coração de gelo para torcer contra os finlandeses). Mas se o sujeito sabe tanto sobre telefones, ele manteve isso em segredo. A Microsoft nunca obteve progresso na área.
A dura verdade é que, apesar de toda sua participação de mercado remanescente, a Nokia dá a impressão de ser coisa do passado. A empresa interpretou mal a forma como a indústria de telefonia celular estava se fundindo com a computação e as redes sociais. E, provavelmente, é tarde demais para mudar isso.
Há lições incômodas aqui. Primeiro, sucesso não é sinônimo de trabalho fácil. A Nokia chegou rapidamente ao topo. Uma vez lá, tornou-se complacente. Sob o comando do executivo-chefe Olli-Pekka Kallasvuo, a Nokia preocupou-se em manter sua participação de mercado em vez de criar produtos inovadores que instigassem os consumidores. Segundo, a Nokia não mostrou disposição para desafiar a si mesma. A companhia apegou-se à ideia de que os telefones consistiam essencialmente de aparelhos para fazer ligações a outras pessoas. Não conseguiu perceber que também eram aparelhos para checar e-mail, encontrar bons restaurantes e atualizar páginas no Twitter.
Por fim, a Nokia não estava localizada perto de um centro de empresas semelhantes. Desenvolver um gigante tecnológico na Finlândia foi um grande feito. Mas a Nokia não estava rodeada de empresas de internet, nem de fabricantes de bens eletrônicos de consumo. Isso significa que não estava no meio de um ambiente de ideias inovadoras, o que a teria obrigado a questionar suas suposições - e ficar mais atenta - todos os dias. A realidade é que a Finlândia não está no centro predominante da Europa, muito menos no da economia mundial. A maioria dos setores de maior sucesso na Europa está localizada em centros geográficos bastante definidos. A indústria farmacêutica está instalada principalmente na Basileia e no Sudoeste da Inglaterra. A de automóveis de luxo está em Munique e Stuttgart. O setor bancário, em Londres. Há exceções - a Airbus em Toulouse, por exemplo.
O mais frequente é que as empresas se beneficiem da proximidade de seus concorrentes, caçando funcionários e trocando ideias. O isolamento é ruim para pessoas e para empresas.
Isso é especialmente verdadeiro para setores que passam por rápidas mudanças. A Nokia precisava estar no meio da indústria de computação - e provavelmente, também, dos setores de filmes, música e internet. Ainda não sabemos que tipo de aparelho o telefone celular vai se tornar.
Mas é ilógico imaginar que uma empresa possa acompanhar o ritmo estando na periferia da Europa. A Nokia deveria ser se mudado para a Califórnia há dez anos. Teria provocado indignação na Finlândia e provavelmente também em Bruxelas. E teria valido a pena. A Nokia precisava ter se jogado no caldeirão da mudança tecnológica. Talvez dessa forma pudesse ter mantido a liderança, em vez de render-se a uma fabricante de computadores que parecia morta há dez anos.
A Europa ainda tem empresas dominantes em setores como aeroespacial, de petróleo, farmacêutico, automotivo e de serviços financeiros. Todas estão sujeitas a dar passos em falso parecidos. Será que as montadoras estão fazendo o suficiente para se preparar para os carros elétricos? Os bancos estão posicionados para uma década em que as dívidas serão reduzidas de forma consistente, em vez de elevadas? Provavelmente não.
Políticos e especialistas em administração gastaram muito tempo elogiando a Nokia e tentando aprender com sua ascensão. Deveriam devotar o mesmo tempo para estudar as lições de sua queda. Se não o fizerem, boa parte dos demais setores europeus pode estar destinada a repetir seus erros. E a Europa não pode se dar ao luxo de perder muitos outros líderes mundiais. (Tradução de Sabino Ahumada)
Fonte: Bloomberg Businessweek