Escrito por: CNM CUT

Entenda a polêmica em torno da reserva Raposa Serra do Sol

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira pela demarcação contínua da área de 1,7 milhão de hectares da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, alvo de uma disputa entre grupos indígenas e agricultores que ocupam a região. Dez dos 11 ministros do Supremo votaram pela demarcação contínua da reserva, do modo como foi homologada por um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005.

Com a decisão, toda a área passará a ser ocupada apenas por grupos indígenas. Os grupos não-indígenas, que defendiam a demarcação da área em ilhas, o que possibilitaria a produção agrícola na região, serão agora obrigados a se retirar.

Confira a seguir algumas questões que explicam a polêmica

A ação começou a ser julgada em 27 de agosto de 2008, quando o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela demarcação contínua da área. A discussão, no entanto, foi interrompida por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, e retomada em dezembro.

Em dezembro, mais sete ministros se colocaram a favor da demarcação contínua, entre eles, Menezes Direito. A sessão foi mais uma vez interrompida, desta vez, por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello.

O julgamento voltou ao plenário do STF, nesta semana, e a decisão pela demarcação contínua foi anunciada na quinta-feira. O único voto em contrário foi do ministro Marco Aurélio Mello, que votou pela anulação do processo administrativo de demarcação.

O STF, no entanto, estabeleceu algumas condições para a demarcação contínua da reserva. Os ministros do STF estabeleceram 19 condições para a demarcação da Raposa Serra do Sol, algumas das quais servirão de base para o estabelecimento das reservas que estão em processo de demarcação ou para outras que possam ser criadas.

Entre outras condições, os ministros estabeleceram que está vedada a ampliação de terras indígenas que já tenham sido demarcadas. "Essas condições se aplicam à Raposa Serra do Sol, mas têm um efeito transcendente para as demais demarcações", afirmou o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, segundo a Agência Brasil.

Além disso, o STF determinou a possibilidade de instalação de bases militares na área e o livre acesso da Polícia Federal e do Exército à região, sem que seja necessária a autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio).

O Supremo também estabeleceu que o usufruto das terras por parte das comunidades indígenas não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e energéticos, a pesquisa das riquezas naturais ou a garimpagem.

Os produtores rurais que ocupam a região da reserva serão retirados da área, em um processo que será supervisionado pelo ministro do STF Carlos Ayres Britto com o apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Segundo o Supremo, Ayres Britto, que era o relator do processo, espera definir nesta sexta-feira o prazo para o início da retirada dos fazendeiros da reserva.

Os ministros do Supremo estabeleceram que a retirada dos fazendeiros da região da Raposa deverá ser "imediata". Isto significa que não será preciso aguardar a publicação do acórdão do julgamento para o início do processo. O Ministério da Justiça definirá de quem será a responsabilidade pelo processo de saída dos fazendeiros da área.

Segundo o ministro Ayres Britto, a decisão sobre eventuais indenizações aos agricultores não deve atrapalhar a retirada. Ayres Brito também não especificou se a retirada levará em conta o prazo de colheita das lavouras que já foram plantadas.

O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu a demarcação da reserva, em 1998, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou as terras em 2005.

O laudo antropológico com base no qual a área foi demarcada diz que a extensão da área se justifica pela grande migração existente entre os índios das cinco etnias que vivem na região.

Após a homologação da reserva, teve início o processo de retirada dos não-índios da região, mas, em 2008, a Polícia Federal foi chamada para ajudar na retirada de grandes produtores de arroz, que têm fazendas na parte sul de Raposa e se recusavam a sair.

Um grupo de fazendeiros e de índios que os apoiavam resistiram e o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, recorreu ao STF pedindo a suspensão da operação federal.

Em maio, o Supremo decidiu pela paralisação da operação até que fosse julgado o mérito das ações que contestavam a legalidade da reserva.

Com a decisão desta quinta-feira, todos os não-índios serão obrigados a deixar a área da reserva, que passará a ser ocupada apenas por grupos indígenas.

Os grupos que questionaram a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol no STF alegavam na ação que a demarcação contínua feria o princípio da razoabilidade, "porque estar-se-ia privilegiando de maneira absoluta o princípio da tutela do índio em detrimento de outros igualmente relevantes".

A ação ainda apontava as consequências "desastrosas" à estrutura produtiva comercial de Roraima e o comprometimento da soberania e da segurança nacionais.

Estes grupos também defendiam os direitos dos não-índios que, segundo eles, "habitam a região há três ou mais gerações". É uma área de propriedade da União com usufruto indígena. São definidas de acordo com a ocupação tradicional das terras.

A Constituição de 1988, no artigo 231, reconhece "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

No parágrafo segundo, o texto constitucional estabelece ainda que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

O Brasil tem atualmente 653 terras indígenas reconhecidas, que abrigam 227 povos, com cerca de 480 mil pessoas. Essas terras representam 12,5% do território nacional. A maior parte das áreas indígenas está nos nove Estados da Amazônia Legal.

Por que a Raposa Serra do Sol foi criada naquela região de Roraima?

A área é tradicionalmente habitada pelos macuxis, etnia majoritária na reserva. A reserva compreende uma região de planície (Raposa) e uma montanhosa, ao norte (Serra do Sol).

Cerca de 19 mil índios de cinco etnias vivem na região da reserva agrupados em quase 200 aldeias, chamadas de malocas. O maior grupo é da etnia Macuxi, que convivem com wapichana, taurepang, ingaricó e patamona.

Os índios e os grupos a favor da reserva contínua alegam que sua forma de vida e desenvolvimento ficariam ameaçados caso a decisão fosse desfavorável à demarcação contínua.

Já o governo do Estado de Roraima, que era contra a demarcação como foi definida pelo STF, afirma que poderá sofrer perdas econômicas com a decisão.

Segundo o governo do Estado, 7% do seu PIB vem das plantações de arroz na reserva e seria impossível transferir essas plantações de forma eficaz para outras regiões.

A decisão do STF também traz consequências para outras reservas indígenas do país.

Entre as ressalvas colocadas pelos ministros, está uma que proíbe a ampliação de reservas que já tenham sido demarcadas.

Fonte: BBC Brasil