Escrito por: CNM CUT
A Porsche provou que ainda é possível uma montadora de automóveis ganhar dinheiro, especialmente se ela sabe como manipular derivativos.
Enquanto as montadoras de Detroit enfrentam enormes prejuízos e o risco de insolvência caso não consigam uma ainda incerta ajuda do governo americano, a fabricante alemã de carros esportivos anunciou sexta-feira que o lucro antes dos impostos do ano fiscal encerrado em 31 de julho subiu 46%, para 8,57 bilhões de euros, ou cerca de US$ 10,9 bilhões. Desse total, 80% são fruto não da produção de carros, mas de sofisticados instrumentos financeiros ligados à prolongada tentativa da Porsche Automobil Holding SE de comprar uma empresa muito maior que ela, a Volkswagen AG.
O lucro da Porsche com essas operações foi maior do que o valor de mercado combinado das combalidas General Motors Corp. e Ford Motor Co. Os ganhos desproporcionais foram conquistados pelo diretor-presidente Wendelin Wiedeking e pelo diretor financeiro Holger Härter. Eles se juntaram com os descendentes do criador do Fusca para engendrar uma audaciosa oferta de aquisição - e derrotar os fundos de hedge num jogo que é especialidade deles.
A Porsche conseguiu esse lucro todo graças a um tipo de opção de ação que lhe ajudou a juntar uma fatia considerável da Volks, desde 2005, ao mesmo tempo em que mantinha o resto do mercado no escuro. A estratégia causou no fim do mês passado uma alta extraordinária da ação da Volks, depois de a Porsche revelar que, na prática, tinha garantido acesso à maioria das ações da montadora.
Isso deixou quem tinha apostado na queda da Volks num grande aperto, tendo de pagar caríssimo pelas poucas ações remanescentes no mercado e assim conseguir cobrir suas vendas a descoberto. A ação da Volks subiu tanto que brevemente ela foi a empresa com maior valor de mercado do mundo. Entre os fundos afetados, segundo pessoas a par da situação, estão Greenlight Capital, SAC Capital, Glenview Capital, Marshall Wace, Tiger Asia, Perry Capital e Highside Capital.
A divulgação dos resultados da Porsche forneceu a prova mais recente de que a montadora, uma integrante da velha economia, aprendeu com as táticas dos fundos de hedge e aparentemente os derrotou no jogo que eles mesmos criaram. Graças aos ganhos financeiros, o lucro da Porsche este ano subiu 51%, para 6,39 bilhões de euros, numa época em que várias montadoras divulgam previsões de lucro pessimistas, ou pior. E esses resultados não espelham o lucro potencialmente gigantesco que ela pode ter obtido com as operações em derivativos no mês passado.
O capítulo final desse drama ainda não foi escrito. As autoridades alemãs de mercado abriram uma investigação para apurar se houve manipulação das ações da Volks, depois que alguns investidores acusaram a Porsche de enganar o resto do mercado. A Porsche afirma que não fez nada de errado e que a culpa das oscilações na ação é dos vendedores a descoberto. A empresa também enfrenta outros obstáculos para assumir o controle da Volks, uma empresa com receita 15 vezes maior que a sua e que produz 60 vezes mais carros.
A movimentação da Porsche também revela a resistência da complexa rede de participações que há décadas mantém as empresas alemãs sob o controle do capital nacional, mas que vinha se enfraquecendo. O ataque da Porsche à Volks é um exemplo do drama da reunificação empresarial alemã: Wolfgang Porsche e Ferdinand Piëch, presidentes do conselho de Porsche e Volks, respectivamente, são netos de Ferdinand Porsche, que projetou o Fusca e fundou a Porsche antes da Segunda Guerra.
Em setembro de 2005, a Porsche surpreendeu os investidores ao anunciar que compraria 20% da Volks, tornando-se seu maior acionista e também "a solução alemã" para prevenir a possível aquisição estrangeira. A Volks e seu Estado natal da Baixa Saxônia, dono de pouco menos de 20% da montadora, aplaudiram a atitude da Porsche - que, num indício importante, não sinalizou interesse em adquirir o controle da empresa.
Mas por trás das cenas o diretor-financeiro Holger Härter começava a fazer as contas. Economista por formação, Härter Härter é conhecido por ser fã de Frank Kafka e Ludwig II, monarca da Bavária no século 19, cujos luxuosos castelos inspiraram Walt Disney. Ele também é presidente do conselho da bolsa de derivativos de Stuttgart e, nos anos 90, desenvolveu sofisticados modelos matemáticos de hedge para a exposição cambial da Porsche. Agora, vem sendo apontado como o criador da estratégia financeira que tornou a Porsche, cuja produção é de uns 100.000 carros anualmente, capaz de comprar a Volks, que fabrica 6 milhões.
A estratégia chama-se "opção com liquidação em dinheiro". O comprador de uma opção de ação comum tem o direito de vender seus papéis a preço e data pré-definidos. Mas numa opção com liquidação em dinheiro, como explica o próprio nome, o comprador ganha o direito não à ação, mas à diferença entre o preço combinado e a cotação de mercado da ação quando a opção é exercida.
A Porsche começou a comprar essas opções ligadas à Volks em 2005, quando a ação da montadora estava baixo de 100 euros. Se o preço subisse, a Porsche poderia exercer as opções e receber a diferença entre o preço previamente acertado e a cotação mais alta do mercado, e poderia assim usar a diferença para comprar mais ações da Volks.
Se o contrato for desse tipo, o investidor na Alemanha não é obrigado a revelar o que tem na manga. Isso permitiu que a Porsche juntasse uma participação considerável na Volks sem que o resto do mercado ficasse ciente.
Opções como essas têm uma detalhe importante: os bancos que as subscrevem geralmente se protegem da exposição comprando de fato as ações. Isso acaba tirando os papéis de circulação.
Fonte: Valor