Escrito por: CNM CUT
A fabricante piauiense de bicicletas Houston ganhou vitrine no ano passado como a grande concorrente da Metalúrgica Gouveia, empresa fictícia comandada por F ernanda Montenegro na novela "Passione", da TV Globo. Já naquela ocasião, o investimento em merchandising no horário nobre da televisão refletia o otimismo da Houston com o mercado nacional de bicicletas, cuja produção deve crescer em 2011 após dois anos de estagnação.
Prova maior do otimismo é o investimento de R$ 40 milhões que a empresa está fazendo na construção de sua segunda fábrica, a ser inaugurada no segundo semestre de 2012, em Manaus. A nova unidade poderá produzir até 650 mil bicicletas por ano. A capacidade atual da Houston é de pouco mais de 1 milhão de unidades anuais na fábrica de Teresina, aberta há dez anos. Neste ano, o plano é entrar com força no segmento de bicicletas ergométricas e de ventiladores.
A Houston pertence ao grupo familiar Claudino, maior conglomerado empresarial do Piauí. Além de bicicletas, a família fabrica jeans, colchões, móveis e carrocerias de caminhões. Controla também o Armazém Paraíba, uma das maiores varejistas de móveis e eletrodomésticos do Nordeste, bem como uma gráfica, um frigorífico, uma agência de comunicação, uma bandeira de cartão de crédito, dois shopping centers, uma transportadora e uma empresa de tecnologia. O faturamento é guardado a sete chaves.
Para o diretor de Marketing da Houston, Paulo Rubens Fontteneli, o mercado brasileiro de bicicletas está retomando o fôlego perdido durante a década de 90. Segundo ele, o cenário positivo para o setor está baseado na consolidação gradual do compromisso da sociedade com responsabilidade ambiental e com saúde e bem-estar. "Esse conjunto trabalha positivamente para o produto", afirmou o executivo, que também atribui o crescimento das vendas à expansão das ciclofaixas nas grandes cidade s do país.
Ele estima que o Brasil irá consumir neste ano algo em torno de 6,3 milhões de bicicletas, uma alta de 3,3% em relação a 2010. A Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) informa que a produção nacional vai subir 1,9% em 2011, para 5,4 milhões de unidades. O aumento da Houston, no entanto, será bem maior. Ela deve fabricar 900 mil bicicletas neste ano, 20% a mais do que em 2010. Nordeste e Sudeste concentram quase 70% das vendas da Houston.
Assim como em 2010, a Houston vai investir neste ano R$ 10 milhões em publicidade, valor que inclui parcerias semelhantes à feita em "Passione". Em 2011, segundo o executivo, a marca será veiculada na trama adolescente "Rebelde", da TV Record. Também está nos planos o lançamento de um modelo de bicicleta com o nome da novela. "Estamos em processo de construção da marca. Por isso o investimento em marketing continua forte", explicou.
Em São Paulo, pistas especiais ajudam a vender bicicleta
A Caloi, que disputa a liderança do setor de bicicletas com a Houston, informou que vendeu 700 mil unidades em 2010 e que neste ano planeja superar a marca de 1 milhão
A via de 30 quilômetros que liga, há cerca de um mês, quatro parques na zona sul da capital paulista está ajudando a ampliar as vendas de bicicletas e acessórios para a prática do ciclismo.
No dia 26 de janeiro, quando foi inaugurada a CicloFaixa, 40 mil ciclistas passearam na via entre os parques das Bicicletas, Ibirapuera, do Povo e Villa Lobos, segun do Walter Feldman, secretário municipal de esportes, lazer e recreação.
A diretora de marketing da Caloi, Juliana Grossi, diz que as lojas de bicicleta próximas da CicloFaixa triplicaram as vendas.
A Bike Town, loja localizada no bairro do Campo Belo, chegou à marca de 2 mil bicicletas vendidas em 2010, entre as vendas feitas pela internet e na loja física. Metade desse total é atribuída às campanhas de incentivo ao uso da bicicletas. "A CicloFaixa é fundamental para impulsionar o uso da bicicleta", diz Celso Cardoso do Amaral Filho, sócio da Bike Town, inaugurada em 2008.
O comércio não ligado diretamente ao mundo da bicicleta também fatura com o movimento. A lanchonete Açaí, na avenida Faria Lima, viu sua loja lotar no domingo que antecedeu o aniversário de 457 anos de São Paulo, em 25 de janeiro, com bicicletas estacionadas por todo lado. As vendas crescem cerca de 50% aos domingos, no horário que a ciclo faixa funciona, das 7h às 14h.
A fabricante de bicicletas Caloi vendeu 700 mil bicicletas em 2010, com aumento de 15% em relação ao ano anterior. Para 2011 o crescimento esperado é de 30%, com expectativa de ultrapassar a marca de um milhão de bicicletas.
O crescimento é mais impactante se comparado com a estabilidade na produção de bicicletas no Brasil no biênio 2009/2010, em 5,3 milhões de unidades por ano, segundo dados da Abraciclo, Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares. Em 2008, a produção chegou a 5,8 milhões de unidades. Para este an o, a previsão é de um pequeno aquecimento para 5,4 milhões de bicicletas produzidas -a estimativa da Houston é maior, de 6,3 milhões para o país.
A Caloi fornece equipes de manutenção de bicicletas e empresta bicicletas para quem quer passear na CicloFaixa. Vendeu a preço de custo as 7 mil bicicletas partic ipantes neste ano do World Bike Tour de São Paulo, no aniversário da cidade. Esse passeio ciclístico também ocorre em cidades como Lisboa, Porto e Madri. E já confirmou seu apoio para a edição de 2012 do evento em São Paulo.
A diretora da Caloi diz que o papel da empresa não é construir ciclovias, mas observa que o melhor plano de marketing que uma fabricante de bicicletas pode ter é apoiar melhorias de infraestrutura para uso desse meio de transporte.
A Bradesco Seguros seguiu mais ou menos o mesmo raciocínio. Patrocinou a CicloFaixa, a World Bike Tour, a competição ciclística Tour do Rio e um bicicletário para os visitantes da Casa Cor de 2010, em São Paulo. Enrique Adan, diretor do grupo Bradesco Seguros, se diz aberto a novos projetos de incentivo à bicicleta que contribuam para a longevidade dos brasileiros.
"Não dá para segurar o que seu tempo chegou. Chegou o tempo da bicicleta", diz Walter Feldman, que estava na inauguração da CicloFaixa há pouco mais de um ano e encabeçou a criação do projeto que já estava no papel há 20 anos e deve ser ampliado.
Feldman já propôs leis, como vereador e deputado por São Paulo, em prol do uso da bicicleta. Uma delas dizia que toda nova avenida construída em São Paulo teria que possuir uma ciclovia. Se esta lei tivesse sido cumprida, a cidade já teria uma malha de ciclovias de 100 km somente por conta das novas avenidas, estima o secretário.
Feldman informou que o site da prefeitura deverá ter neste ano um link chamado Ciclorotas, que mostrará os melhores caminhos para quem quiser usar a bicicleta como meio de transporte. Em alguns países o site de mapas do Google, além de oferecer rotas para carros, ônibus e a pé, oferece caminhos adequados para o uso de bicicleta.
O Grupo Executivo (GE) Pró-Ciclista, criado pela Prefeitura de São Paulo em 2006, é formado por um conjunto de cinco secretarias, além de técnicos da SPTrans e CET. A Secretaria Municipal de Transportes, que encabeça este GE, elaborou os projetos funcionais do Plano de Ciclovias, prevendo a implantação de mais 54,5 km de infra-estrutura cicloviária em São Paulo, a s er iniciada neste ano.
A CET está preparando licitação para implantação de ciclovias no Jardim Helena (Zona Leste da capital paulista), no Jardim Brasil (Zona Norte), e Grajaú/Cocaia (Zona Sul).
O arquiteto e urbanista Ricardo Corrêa, da TC Urbes, empresa privada com foco no planejamento de soluções de transporte não motorizado, já tem 123 quilômetros de ciclovias projetadas para Campo Belo, Santo Amaro e Campo Grande. Desses, 30 quilômetros já foram aprovados pela subprefeitura de Santo Amaro.
De acordo com dados da Abraciclo, 50% das bicicletas no Brasil são de transporte, 32% infantis, 17% de recreação e lazer e 1% competição. E 28,8 milhões de bicicletas circulam pela região Sudeste do País, 44% da frota nacional.
Na cidade de São Paulo, a maioria das bicicletas de recreação e lazer para adultos é do tipo "mountain bike", apesar de grande parte dos ciclistas pedalar sobre o asfalto. Poucos, realmente, fazem trilhas de terra.
Na loja Bike Town, 70% das bicicletas vendidas são "mountain bikes" e menos de 5% são urbanas. Apenas como comparação curiosa, em países como o Canadá os números se invertem: 70% são bicicletas urbanas, segundo o dono da Bike Town. Ricardo Corrêa, da TC Urbes, diz que o Brasil deverá aproximar-se do Canadá em menos de 25 anos.
A Caloi está voltando neste ano com a linha urbana de bicicletas, da série Mobilidade, depois de quatro anos. Essas bicicletas têm um desenho mais adequado para o uso na ci dade, com rodas maiores, aro 700 (ou cerca de 28 polegadas), e deixam a postura mais confortável.
Corrêa, da TC Urbes, também pretende entrar no mercado de bicicletas para uso urbano, com pequena produção, de 50 unidades de cada vez. Ele está produzindo um protótipo da bicicleta, com o nome sugestivo de Urbana, que deve começar a ser vendida em maio.
Outros projetos de incentivo ao uso da bicicleta em São Paulo começam a aparecer: ônibus acomodam bicicletas em seu interior; vagões do Metrô abertos para transporte de bicicletas a partir das 20h30 e aos domingos; e bicicletários em estações do Metrô e nos novos terminais de ônibus da SPTrans. Já faz parte do cenário noturno da cidade, os grupos das pedaladas noturnas, ou "night bikers".
Para Thiago Benicchio, diretor geral da Ciclocidade, associação focada no estímulo ao uso da bicicleta no ambiente urbano, as faixas exclusivas para bicicletas têm lados positivos e negativos. Estimulam o uso da bicicleta na cidade, mas, no caso da CicloFaixa, foi montada do lado errado da rua.
Benicchio diz que os ciclistas estão se acostumando a pedalar do lado esquerdo da pista, dificultando o acesso às ruas transversais. E alguns motoristas estão achando que ciclistas só podem trafegar entre cones. "Quem pedala todo dia já foi agredido verbalmente por motoristas que mandaram o ciclista ir pedalar no domingo", diz ele.
É, basicamente, na América Latina que são usadas, segundo Benicchio, as "segregated bike lanes", onde confinam-se os ciclistas do trânsito violento das ci dades, por exemplo, com cones. Na Europa e nos Estados Unidos, quase todas as ciclovias são somente pintadas nas ruas, sendo respeitadas pelos motoristas. Afinal, no código de trânsito nacional a bicicleta tem preferência de circulação frente aos transportes motorizados.
No caso da ciclovia da Marginal do rio Pinheiros, a qualidade da pista de 14 km é boa, com piso adequado, aproveitando a característica plana da várzea do rio. O problema é o isolamento do ciclista. Ele é cercado por vias de alta velocidade e conta com apenas dois acessos à ciclovia. Existe um projeto de ampliação dessa pista em seis quilômetros até o parque Villa Lobos ainda neste ano.
O arquiteto Dimitre Gallego, que deixa sua bicicleta dobrável estacionada atrás de sua escrivaninha, faz parte do grupo que pedala da casa para o tra balho. "O que me motivou a comprar uma bicicleta dobrável foi a dificuldade de estacionar a bicicleta no meu novo trabalho. Apesar de o escritório ter duas vagas de carro, o edifício, como norma, não permite o estacionamento de bicicletas. E na rua não existem bicicletários ou paraciclos próximos", diz Gallego. "Agora demoro a metade do tempo que levava de ônibus e paro a bicicleta ao lado da minha mesa de trabalho".
No banco Santander, os funcionários que optam pela bicicleta têm estacionamento especial e vestiário para tomar banho e trocar de roupa.
Cardoso, da Bike Town, diz que os usuários das faixas especiais, assim como os novos ciclistas que vão ao trabalho de bicicleta, estão na mira do setor. Ele vendeu bicicletas recentemente para três funcionários do Santander e para um casal residente no Morumbi, bairro na zona sul da cidade de São Paulo. O casal decidiu comprar bicicletas quando a CicloFaixa chegou perto de sua casa.
Cleber Ricci Anderson, da loja Anderson, aberta em 1992, afirma que estímulos como a CicloFaixa e a educação do consumidor podem ajudar a levar novos clientes para sua loja. Em 2010, as vendas na Anderson cresceram 15%, em relação a 2009.
Fonte: Valor