Escrito por: CNM CUT

Projeto da Kia no Brasil vai para a Justiça por disputa bilionária

Supremo Tribunal Federal decide extraditar coreano envolvido no primeiro projeto de fábrica do grupo no País

A fábrica da Hyundai foi inaugurada na semana passada em Anápolis, em Goiás, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente mundial da Hyundai Motor Company, Choy Jae Kook. Enquanto a inauguração era feita com toda pompa e circunstância, o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliava, discretamente, uma denúncia envolvendo a tentativa anterior de o grupo coreano se instalar no País. A disputa envolve um dívida que pode ultrapassar R$ 1 bilhão com o governo brasileiro e denúncias de fraude. Na segunda-feira, o Supremo decidiu extraditar para a Coréia do Sul um dos executivos envolvidos no processo.

A nova fábrica foi construída pelo empresário brasileiro Carlos Alberto de Oliveira Andrade, dono do grupo Caoa e importador de veículos da Hyundai. Ele investiu sozinho R$ 400 milhões no projeto. A empresa coreana fornece a tecnologia de produção e de montagem e as peças para os veículos. Na fachada da fábrica aparece o nome Hyundai, que também estará no logotipo dos veículos.

A Hyundai é dona da Kia Motors, que era dona da antiga marca Asia Motors. No Brasil, a Asia Motors havia se comprometido a construir uma fábrica na Bahia, nos anos 90. Com a promessa, a montadora conseguiu abatimento de impostos de importação de veículos. Como a fábrica não saiu do papel, o governo está cobrando da empresa o pagamento dos impostos que deveriam ter sido recolhidos na época.

MULTA

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, o valor original da multa é de US$ 217 milhões. Advogados que acompanham o caso dizem que, em setembro de 2003, o valor inscrito na dívida ativa da União, convertido em reais, já estava em R$ 858 milhões. Hoje, corrigida, a dívida passaria de R$ 1 bilhão. A cobrança é responsabilidade da Receita Federal, que notificou a empresa e seu sócio brasileiro, Washington Armênio Lopes, na época presidente da Asia Motors do Brasil.

Lopes e Chong Jin Jeon (coreano que vive no Brasil) eram importadores de veículos da Asia Motors desde 1993. Em 1997, já inscritos no Regime Automotivo, fizeram parceria com a Asia Motors da Coréia para a construção da fábrica. A empresa coreana passou a deter mais da metade das ações e eles ficaram com 49%.

A Hyundai comprou a Kia em 1998. No ano seguinte, a construção da fábrica brasileira foi abortada, depois de uma festa de instalação da pedra fundamental com as presenças do então presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães. Cerca de 70 mil modelos Hyundai foram importados, a maioria das vans Towner e Topic. Boa parte entrou no País com desconto de 50% de impostos, conforme previa o Regime Automotivo, e gerou a dívida que agora ninguém assume.

Em 2001, dirigentes da Hyundai e o presidente da Coréia, Kin Dae Jung, pediram o perdão da dívida a FHC, que visitava Seul. Em troca, prometiam retomar as obras da fábrica, mas não foram atendidos.

BATALHA JUDICIAL

A cobrança pelos impostos atrasados envolve uma disputa entre a Kia e seus antigos sócios no Brasil. Ninguém quer assumir as dívidas com o governo. Os ex-sócios acusam a Kia de ter investido menos que o prometido no Brasil, o que teria inviabilizado o projeto da fábrica. A Kia acusa os ex-sócios de fazer um aumento de capital fraudulento, em 1998, para forçar a montadora coreana a colocar mais dinheiro na empresa.

Além do processo pelo aumento de capital, a Kia cobra US$ 80 milhões em veículos importados que não teriam sido pagos. Segundo o advogado Fabiano Robalinho, do Escritório de Advocacia Sergio Bermudes, responsável pelo caso, a Kia ganhou a ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas os ex-sócios recorreram.

Já o sócio brasileiro, Washington Lopes, informou que o aumento de capital teve autorização da Justiça, dos executivos coreanos e do Banco Central. Ele disse que também move ações contra a Kia, pedindo a integralização do capital que não teria sido cumprido pela montadora, de quase US$ 200 milhões. 'A falta desse capital impediu a construção da fábrica', disse. No processo, ele também acusa a montadora de abuso de poder econômico.

O sócio Jeon foi preso no fim de 1999 na Coréia, quando visitava o país. Ficou detido por um ano e meio. Foi julgado e condenado a dez anos por ações fraudulentas que teria praticado na Asia brasileira. Conseguiu um habeas corpus e fugiu para o Brasil. Em julho passado, foi preso pela Polícia Federal de São Paulo. Na segunda-feira, atendendo pedido do governo da Coréia do Sul, o STF decidiu por sua extradição. Nos próximos dias, ele vai apelar pela reversão da decisão.

ENTENDA O CASO

Projeto: A Asia Motors, então subsidiária da Kia Motors, anunciou na década de 90 que construiria uma fábrica na Bahia. A Asia Motors teria 51% da fábrica. Os 49% restantes seriam do brasileiro Washington Armênio Lopes e do coreano Chong Jin Jeon, que vive no Brasil.

Fracasso: Em 1998, a Hyundai comprou a Kia Motors. No ano seguinte, a construção da fábrica brasileira foi abortada.

Dívida: No rastro da construção da fábrica, foram importados para o Brasil cerca de 70 mil modelos Hyundai, parte deles com desconte de 50% nos impostos, como previa o regime automotivo. Como a fábrica não foi construída, o governo passou a exigir que o desconto fosse devolvido.

Cobrança: Segundo o governo, o valor original da multa é US$ 217 milhões. Em 2003, segundo advogados que acompanham o caso, teria chegado a R$ 858 milhões. Hoje, a estimativa é que ultrapasse R$ 1 bilhão.

Fonte: O Estado de S.Paulo