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Aeroespacial: fornecedores da Embraer unem forças

Publicado: 16 Maio, 2007 - 08h00

Escrito por: CNM CUT

Na semana passada, os empresários Ney Pasqualini Bevacqua e Gianni Cucchiaro decidiram colocar em prática um plano que vinha sendo discutido há cerca de seis meses: unificar as operações de suas pequenas fábricas, com sede em São José dos Campos (SP). Em comum, a Winnstal, de Bevacqua, e a Friuli, de Cucchiaro, têm capital 100% nacional, dificuldades de obter financiamentos a taxas competitivas e receita anual entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões. Têm ainda como principal cliente a Embraer, terceira maior fabricante de jatos do mundo e responsável por 80% do faturamento de ambas.

Nos próximos 100 dias os executivos vão traçar as estratégias de negócio da WF Structures & Systems, que já nasce com metas ambiciosas - alcançar vendas de R$ 20 milhões no primeiro ano de operação e passar a explorar o mercado internacional. 'O ponto fraco de uma é o forte de outra', afirmou Bevacqua, da Winnstal, empresa especializada em estamparia, tratamento de superfície e pintura de sub-conjuntos, com unidades em São José dos Campos e em Botucatu. Juntas, fortalecidas, a Winnstal e a Friuli (que produz usinados) poderão fornecer equipamentos de maior valor agregado e eliminar etapas de produção que são feitas dentro da Embraer.

A fusão das duas empresas antecipa uma das tendências que serão apontadas num estudo para o adensamento da cadeia produtiva do setor aeronáutico brasileiro, que vem sendo desenvolvido pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a própria Embraer. A intenção é criar indústrias mais robustas - por meio de fusões entre grupos já existentes -, com capacidade de captar financiamentos e de realizar investimentos pesados, além de ampliar a fabricação de componentes no país. O projeto, supervisionado pela Unicamp, deve ficar pronto até o fim do ano.

Para a Embraer, que enfrenta problemas de fornecimento em suas linhas de montagem, a notícia é boa e vem na hora certa.

O fortalecimento da cadeia pode garantir às fabricantes impulso importante para competir também no exterior, reduzindo sua dependência da fabricante brasileira de jatos. 'Sem capacidade de investimento, as indústrias nacionais perderam a oportunidade de fazerem parte de novos projetos de jatos da Airbus e da Boeing', disse Agliberto Chagas, diretor-executivo do Centro para Competitividade de e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi), entidade de estímulo de gestão e inovação tecnológica que está articulando a criação da WF e de outros grupos de fornecedores. 'Elas ficaram focados só no mercado brasileiro, estimado em US$ 3 bilhões, e agora precisam se apressar para competir no resto do mundo, que movimenta mais de US$ 300 bilhões', disse.

O trabalho de fomento deve se concentrar em cerca de 50 empresas nacionais, fornecedoras contumazes da Embraer. São empresas que empregam mais de 3 mil pessoas, tiveram faturamento médio de R$ 5 milhões no ano passado e foram criadas, na maioria dos casos, por ex-funcionários da própria Embraer.

Ao ganharem mais estrutura para competir lá fora, essas indústrias também passam a oferecer à Embraer condições mais firmes de fornecimento de produtos. O programa de adensamento da cadeia vem num momento delicado para a fabricante de jatos.

Os problemas com fornecimentos de asas e de outros equipamentos e os custos extras para reduzir os atrasos nas entregas das encomendas fizeram o lucro da Embraer cair 32% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período em 2006.

A Embraer informa que tais problemas foram superados, mas mostra preocupação em relação aos fornecedores para cumprir pontualmente às mais de 400 encomendas de jatos comerciais e outras 400 da nova linha de jatos executivos Phenom, que somam US$ 15 bilhões. O problema se agrava ao se considerar que o mercado mundial no setor está aquecido e há poucos fabricantes para equipamentos fundamentais, como as turbinas.

'Compraríamos mais do Brasil se houvesse condições, mas os projetos aeronáuticos se transformaram em casamento de longo prazo com fornecedores, os quais concentram num só local sua produção. Trazer para o Brasil uma linha de produção só é possível se a demanda justificar tamanho investimento', afirmou ao Valor Nelson Salgado, diretor de planejamento corporativo da empresa. 'Muitos equipamentos exigem tecnologia de ponta que ainda não chegou aos fornecedores brasileiros'. Hoje, 50% do valor de uma aeronave é composta por componentes importados. De janeiro a março, a empresa foi responsável por compras externas de US$ 610 milhões segundo a Secretaria do Comércio Exterior - é o segundo maior importador do país, só perdendo para a Petrobras.

Salgado diz que não há um percentual 'desejável' de nacionalização nem quais partes do avião podem ser nacionalizadas ou repassadas para terceiros - parte da fuselagem dos jatos 170 e 190, por exemplo, é produzida dentro da própria Embraer. Pessoas envolvidas no projeto de adensamento da cadeia apontam, porém, que um índice de componentes nacionais ideal estaria na casa de 70%, entre os produtores 100% brasileiros e os internacionais que trouxeram linhas de produção para o país.

Para colocar em prática o projeto dos jatos 170/190, no fim da década de 90, a Embraer conseguiu atrair unidades de produção de gigantes da aeronáutica como a belga Sonaca, a espanhola Gamesa (atual Aernnova), a francesa Latecoere e a americana C&D, que aceitaram se tornar parceira de risco e vão ter retorno de seus investimentos num prazo de cinco a seis anos.

Mesmo assim, com parceiros de peso no setor, a empresa enfrentou problemas com a Kawasaki, fabricante de asas que não conseguiu acompanhar o aumento da demanda e teve sua produção, em Gavião Peixoto (SP), assumida pela Embraer em meados de 2006.

Muitas das parceiras de risco tiveram apoio do BNDES para se instalar no país - ajuda que só será estendida aos fabricantes nacionais a partir do ano que vem, quando o estudo do banco estiver concluído. 'À medida que nossa produção cresce, abrimos oportunidades para que as nacionais se desenvolvam também', afirmou o executivo. Dentro do departamento de qualidade, a Embraer mantém um programa de aprimoramento de fornecedores.

Fabricantes lutam por contratos de longo prazo

No meio do ano passado a Winnstal foi consultada pela fabricante de aviões Cessna, dos Estados Unidos, para fazer parte de um processo de escolha de um fornecedor de peças para seus jatos. O que poderia ser motivo de comemoração foi recebido com amargura pelo empresário Ney Bevacqua. Sem condições de se alavancar e ampliar sua produção, a empresa sequer apresentou propostas para a licitação. 'Ninguém queria nos emprestar dinheiro porque não tínhamos garantia para oferecer', afirmou o empresário.

Ter em mãos um contrato de longo prazo com a Embraer - para quem a empresa fornece equipamentos há mais de cinco anos - valeria, segundo Bevacqua 'a garantia e dinheiro na certa'. Mas, ao contrário do tratamento dado pela Embraer às fornecedoras internacionais, as fabricantes locais de equipamentos se ressentem da falta de acordos de longo prazo.

Sem garantias de que haverá serviço para ocupar as máquinas a longo prazo, os empresários temem fazer investimento para ampliar seu negócio - e tentar vender seus itens no exterior - e têm dificuldade para organizar a produção. 'Às vezes não temos encomendas e a capacidade fica ociosa', afirmou Gianni Cucchiaro, dono da empresa de estampados Friuli. Segundo os industriais, os juros das linhas de crédito são muito altas e nada competitivas em relação aos concorrentes internacionais.

A Embraer, de acordo com o diretor de planejamento corporativo, Nelson Salgado, pretende iniciar em breve a assinatura de contratos de longo prazo com parte dos fabricantes locais. 'Como estão ganhando porte, essas empresas podem assumir mais riscos, o que possibilita trabalharmos com perspectivas de longo prazo', diz.

Uma das dificuldades até hoje para a criação de vínculos mais firmes é que algumas empresas podem até possuir tecnologia, mas não a escala suficiente para oferecer peças de maior valor agregado - muitas vezes as partes têm que passar por mais ciclos industriais dentro da própria Embraer antes de serem integradas às aeronaves.

Mesmo com esses entraves, a Lanmar, fabricante de peças usinadas e estampadas de Hortolândia (SP), quer encarar 'a boa onda' do setor aeronáutico internacional e já começa a travar conversas com a Boeing e com a Airbus para poder iniciar suas exportações. A empresa usa como cartão de visitas na mesa de negociação as diversas homologações conquistadas em 25 anos de fornecimento à Embraer.

Hoje, 60% do faturamento da empresa, de cerca de R$ 2,5 milhões por mês, é proveniente das compras da produtora de jatos. O restante vem de peças vendidas para os segmentos de petróleo e automotivo. 'Se um dos mercados sofrer retração, temos como garantir parte das vendas em outro nicho', afirmou ao Valor Porfírio Américo Marcolino, diretor da Lanmar. 'Forçada' a crescer por conta das encomendas da Embraer, a Lanmar, que tem 280 funcionários, está realizando investimento de R$ 3 milhões para ampliar sua produção e está buscando financiamento junto ao BNDES.

A Serco, cooperativa que reúne 200 engenheiros (muitos deles ex-funcionários da Embraer), optou por um caminho diferente para se internacionalizar. Pelo menos 95% do faturamento da empresa, criada em 1995, vem de prestação de serviços técnicos e montagem para fabricantes de fornecedores da própria Embraer na Europa. A cooperativa já realizou trabalhos para empresas como Sonaca, EADS Casa e Gamesa. A atividade rende R$ 9,5 milhões anuais e envolve 180 engenheiros, que passam temporadas no exterior.

A atividade industrial da Serco, entretanto, ainda é tímida, de acordo com Roberto Oliveira Sampaio, diretor da área. Apenas 20 funcionários estão ligados na produção de partes internas de aeronaves, nicho que rende R$ 500 mil anuais à Serco. 'Infelizmente a escala local é muito pequena e praticamente só temos a Embraer como cliente', afirmou o executivo. Com pequenos fornecimentos a empresas como a fabricante de helicópteros Helibras e companhias aéreas, a Serco fez investimentos recentes de R$ 200 mil na compra de equipamentos.

Problemas com atrasos afetam balanço até março

Os problemas com fornecimento de equipamentos - que atrasaram as entregas e corroeram as margens - foram totalmente absorvidos no primeiro trimestre e não devem mais ocorrer, afirmou ontem o vice-presidente corporativo e de relações com investidores da Embraer, Antônio Luiz Pizarro Manso, ao comentar os resultados do primeiro trimestre. No período, o lucro líquido da fabricante de jatos foi de R$ 58,5 milhões, uma redução de 32% em comparação ao mesmo período em 2006.

O resultado reflete o aumento das despesas com pessoal e ajustes nos estoques. A empresa está implantando o terceiro turno de produção e contratou 2 mil funcionários. O número de docas de produção dos jatos 170 e 190 aumentou de 11 para 13 na unidade de São José dos Campos (SP) e está finalizando a modernização do maquinário para produção de asas. A Embraer reafirmou a meta de entregar 170 jatos até o fim do ano.

'Esperamos a recuperação das margens nos próximos três trimestres com o aquecimento do ritmo de produção', afirmou Manso. A margem bruta da empresa no período foi de 22,3%, ante os 24,8% no primeiro trimestre do ano passado.

A empresa registrou entre janeiro e março receita líquida de R$ 1,772 bilhão, um leve incremento de 0,22%. Apesar de entregar menos aeronaves no período - 25 ante as 27 no mesmo intervalo do ano anterior - houve uma melhora no mix de produtos, com vendas de mais jatos da família 170/190. A aviação comercial representou 65% das receitas, enquanto a participação dos jatos executivos subiu de 11% para 14%. A queda foi observada nos segmentos de defesa (de 5%, ante os 10% em 2006).

A geração de caixa pelo conceito lajida caiu de R$ 179 milhões para R$ 91,4 milhões. A margem lajida caiu pela metade - de 10,1% para 5,2%. A empresa mostra preocupação com as negociações com a compra da Alcan pela Alcoa, principais fornecedoras mundiais de alumínio. 'Nunca é agradável ter um monopólio', disse Manso.

Fonte: Valor