Cinco anos em cinqüenta
"Não se promove a grandeza de uma nação com escrúpulos cretinos"Nelson Rodrigues
Publicado: 29 Janeiro, 2006 - 00h00
Escrito por: CNM CUT
Há 50 anos, no dia 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek tomava posse como presidente da República do Brasil. Grande Juscelino! O seu lema, que traduzia muito bem o espírito do seu governo e, mais do que isso, o espírito do Brasil da época, ficou na nossa história: 50 anos em 5!
Hoje, o Brasil é outro. Parece que envelheceu prematuramente. Exibe todos os receios, as cautelas, os achaques, as queixas da idade avançada. Multiplicam-se os sintomas de perda de vitalidade e de autoconfiança. Por exemplo: quem dá as cartas no país, entra governo, sai governo, é a tribo tenebrosa dos economistas, especialmente aqueles que conseguem alojarse no comando do Banco Central. Impera, conseqüentemente, o medo de crescer. Toda vez que a economia ameaça levantar a cabeça, o Banco Central se assusta e pisa forte no freio monetário.
No tempo de JK, os economistas não tinham o prestígio e o poder que viriam a adquirir depois. O Brasil nem tinha Banco Central! JK escutava os seus economistas, mas não se deixava dominar por suas preocupações senis com o equilíbrio e a estabilidade. Ele tinha a noção intuitiva de que desenvolvimento econômico não se faz sem desequilíbrios e instabilidade. Em outras palavras, ele sabia que o lema positivista, inscrito pelos republicanos na bandeira nacional, é intrinsecamente contraditório: não há progresso sem desordem. Juscelino deixou a Presidência da República em 1961. Desde então, nunca mais conseguimos conciliar desenvolvimento com democracia. Foi desgraça atrás de desgraça. Atravessamos uma grave crise política e econômica nos anos 60. Tivemos 20 anos de ditadura militar.
No início dos anos 80, a economia entrou em uma longa fase de semi estagnação da qual ainda não conseguimos sair. A safra de presidentes civis foi pobre. Quase se poderia dizer: depois de JK, foram 5 anos em 50! A fama e a lenda de Juscelino repousam, em parte, no contraste com o que veio depois dele.
Para a maioria dos brasileiros, o seu governo é uma referência marcante. Só um grupo minoritário, mas bastante influente, de economistas e banqueiros ecoa as críticas que a oposição udenista e economistas liberais, como Eugênio Gudin e Roberto Campos, faziam ao governo JK. Para esse grupo, que se orientava por teorias econômicas importadas dos EUA e da Europa, Juscelino era um "irresponsável", um presidente sem compromisso com a austeridade fiscal e o controle da inflação.
Nelson Rodrigues foi um dos que vocalizaram, já na época, a resposta a esse tipo de crítica. "Lançam a inflação na cara de Juscelino", escrevia ele em 1961. "Mas o Brasil estava de tanga, estava de folha de parreira, ou pior: com um barbante em cima do umbigo. Todo o Nordeste lambia rapadura. E vamos e venhamos: para um povo que lambe rapadura, que sentido têm os artigos do professor Gudin? Sempre existiram os Gudins e o povo sempre lambeu rapadura. Ao passo que o Brasil só conheceu um Juscelino". Nada mais verdadeiro, nada mais profético. Os Gudins continuam por aí, aos montes, ensinando as suas lições importadas de estabilidade e responsabilidade. E nunca mais apareceu um Juscelino.
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV- EAESP, escreve às quintasfeiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005). E-mail: [email protected]