Componentes aeronáuticos: brasileiros ganham o mundo
Publicado: 07 Dezembro, 2006 - 08h00
Escrito por: CNM CUT
Consagrado como um dos maiores fabricantes de aviões do mundo, o Brasil começa a dar os primeiros passos para a emancipação da sua indústria de peças aeronáuticas, que nasceu para abastecer a Embraer e ainda mantém uma forte relação de dependência com a empresa. No atual cenário de aquecimento no mercado mundial de aviação, um dos principais pólos do setor no país, instalado em São José dos Campos (SP), está despontando como opção de fornecimento para multinacionais como a EADS CASA e as fabricantes de turbinas Pratt & Whitney Canada (PWC) e Turbomeca, da França, que buscam reduzir seus custos.
Organizadas em uma associação de 11 fabricantes, chamada HTA, as empresas de São José fizeram suas primeiras exportações este ano, no valor de US$ 5 milhões. Segundo a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), a maior parte destes contratos está concentrada na Graúna Aerospace, produtora de peças usinadas fundada por ex-funcionários da Embraer. A empresa fechou um contrato de exportação com a PWC, que fornece turbinas para a Embraer e para a Boeing, segundo Urbano Araújo, diretor comercial da Graúna. O contrato tem duração de dez anos e as vendas começaram em fevereiro, segundo a HTA.
A brasileira também está começando a abastecer a EADS CASA, subsidiária da européia EADS (grupo europeu dono da Airbus), que se comprometeu a comprar US$ 700 milhões no Brasil após ter vendido 12 aviões para o Exército. Segundo Lúcio Simão dos Santos, gerente administrativo da HTA, estes pedidos também estão sendo atendidos por outras empresas da região, como a ThyssenKrüpp Autômata, instalada em Taubaté (SP).
Controlada pela multinacional alemã ThyssenKrüp, que em 2005 comprou uma participação de 80% nos negócios, a Autômata está em fase de testes para fechar um contrato de US$ 400 mil por mês durante três anos com a americana TW Metals, especializada na compra de matéria-prima e peças para sistemistas e montadoras, como a americana Boeing.
De acordo com o fundador e sócio da fabricante, José Wilmar Justo Filho, a empresa enviará os primeiros cinco conjuntos para os EUA esta semana. A expectativa é fornecer 20 conjuntos por mês. 'Pretendemos reduzir nossa dependência atual da Embraer, que é de 80%, para 40%', diz o executivo, que também é ex-funcionário da multinacional. A empresa atenderá a TW Metals em parceria com a Metinjo, que faz tratamentos superficiais, e a Compoende, responsável pelos testes não-destrutivos, ambas de São José dos Campos.
O presidente da AIAB, Walter Bartels, espera que em 2007 o valor das exportações do setor seja duplicado. Em cinco anos, elas podem chegar a US$ 25 milhões, de acordo com o executivo. 'Caso as empresas tenham um apoio efetivo do BNDES, que desde 2004 está trabalhando pelo adensamento desta cadeia, as exportações podem chegar a US$ 50 milhões', afirma. O número é expressivo quando comparado ao faturamento de R$ 40 milhões das 70 indústrias de peças do país.
Atualmente, estas empresas destinam 85% das vendas para Embraer e 15% ao setor automotivo.
Além do custo menor com mão-de-obra, as estrangeiras estão diversificando suas estruturas de fornecimento porque a demanda mundial por aviões tem aumentado 5% ao ano desde 2004, principalmente por causa da demanda chinesa, elevando também os pedidos de peças. 'O mercado aeronáutico está em alta em todo o mundo e os países que concentram estas atividades, como os Estados Unidos e Europa, são os que têm os custos de operação mais alto', explica Justo Filho, da Thyssen. Para ele, a tradição brasileira na área aeronáutica tem sido um importante diferencial. 'Temos recebido visitas de empresas como a Bombardier e a Rolls-Royce', diz.
A valorização do euro, que encareceu as compras na Europa, também tem favorecido as brasileiras. Por isso, a francesa Turbomeca decidiu iniciar a busca por parceiros para a etapa de usinagem no Brasil. Nos próximos dois anos, a empresa pretende gastar US$ 5 milhões em compras no país. Segundo o presidente da Turbomeca na América Latina, François Haas, a empresa começou a fazer os primeiros contatos para avaliar a capacidade técnica das brasileiras. 'Esperamos conseguir uma economia de 20% a 30% nesta área', diz.
As peças fundidas, que são submetidas ao processo de usinagem, serão compradas na Índia e China. Os aços especiais virão de diferentes regiões, como Leste Europeu, Oceania e Ásia. 'Vamos aproveitar as capacidades específicas de cada país', afirma. Num segundo momento, a empresa francesa espera conseguir novos parceiros para o desenvolvimento de projetos.
No entanto, mesmo com o avanço das exportações, a indústria brasileira de peças tem pela frente um grande desafio: dominar o know-how tecnológico para atuar em todos os níveis da cadeia produtiva e ampliar sua capacidade de montagem de sistemas.
'Poucas empresas conseguem fornecer sistemas completos. A maioria é especializada em uma etapa do processo de fabricação das peças', diz o diretor de planejamento corporativo da Embraer, Nelson Salgado. Segundo ele, as empresas que oferecem soluções mais completas a preços baixos estão na China e na Coréia.
Embraer criou programa de parcerias para o desenvolvimento de seus jatos
A política de compras estabelecida pela Embraer no final dos anos 90 teve um impacto direto sobre os negócios de seus fornecedores brasileiros. Para desenvolver os aviões comerciais 170 e 190 com um investimento menor, a Embraer delegou a 'parceiros de risco' projetos e execução de partes inteiras do avião. No caso do modelo 170, os parceiros investiram US$ 550 milhões, mais de metade do valor do programa, que era de US$ 1 bilhão, segundo Nelson Salgado, diretor de planejamento corporativo da companhia.
Como o retorno do investimento só vem depois de cinco ou seis anos, as empresas brasileiras que atendiam a Embraer perderam espaço para as estrangeiras, que dispõem de capital para bancar um longo período de espera. Em média, o investimento para desenvolver uma aeronave só é recuperado após a venda de 250 unidades. 'A fabricantes brasileiras de peças aeronáuticas são de pequeno porte, que não têm garantias para obter empréstimos bancários', explica Sérgio Varella, responsável pelo programa de adensamento da cadeia aeronáutica do BNDES.
Como resultado, algumas empresas nacionais tiveram que mudar seu foco de operação. A Aeromot, do Rio Grande do Sul, fornecia poltronas para a Embraer desde 1970, mas teve que interromper seus negócios com a Embraer após a mudança. Hoje, fabrica motoplanadores usados para treinamento no Exército e em aeroclubes, segundo o presidente da Aeromot, Cláudio Barreto Viana.
Quem ocupou este espaço foi a C&D, fabricante americana de interiores que se instalou em Jacareí (SP) para atender a fabricante brasileira. Outras estrangeiras se mudaram para o Brasil com o mesmo objetivo de vender para Embraer, como a belga Sonaca, a espanhola Gamesa e a francesa Latecoere.
A vinda destas empresas foi apoiada pelo BNDES para gerar novos empregos. No entanto, o banco ainda pretende estimular o aumento da nacionalização de peças nos aviões da Embraer para que chegue a um índice de 60%. Hoje, segundo Varella, este índice é menor que 50%, embora a empresa assegure ser de 50%.
Para isso, o BNDES está desenvolvendo produtos financeiros para estas indústrias. 'Como financiador de metade das vendas feitas pela Embraer, o BNDES pretende pressionar a empresa a elevar suas compras no país. As estrangeiras também estão sendo motivadas para fazer o mesmo', diz Varella.
Segundo o diretor da Embraer, os próximos aviões desenvolvidos pela empresa terão maior conteúdo nacional. Os pequenos jatos executivos Phenom 100, Phenom 300 e o Lineage (de grande porte), exigirão menores investimentos - por volta de US$ 300 milhões -, reduzindo a necessidade de parcerias. 'Os Phenom são mais baratos por serem aeronaves menores. O Lineage, por sua vez, tem a mesma plataforma do modelo 190', diz.
A estratégia de compras da Embraer tem sido adotada pelas suas concorrentes Boeing, dos Estados Unidos, e pela européia Airbus. No caso da primeira, o conteúdo não-americano subiu de 3% para 40%. Na Airbus, 50% das compras já são feitas fora da região.
Super Tucano voa para Colômbia e concorre na Turquia
A Embraer, terceira maior fabricante de jatos comerciais de passageiros do mundo, inicia hoje a entrega dos cinco primeiros aviões Super Tucano, produto da área de defesa da companhia, ao governo da Colômbia. A entrega faz parte de um contrato de venda de 25 unidades que foi firmado com a Força Aérea colombiana no final do ano passado.
A companhia brasileira também entregará o primeiro jato 170, da mais nova família de aeronaves comerciais da empresa, para a estatal colombiana Satena, que é administrada pela Força Aérea do país. A Satena faz transporte de passageiros, mas também exerce o papel de Correio Aéreo colombiano.
A entrega das seis aeronaves à Colômbia, que será oficializada amanhã na unidade da Embraer em Gavião Peixoto, interior de São Paulo, representa um negócio da ordem de US$ 80 milhões, informou ao Valor o vice-presidente executivo para mercado de defesa e governo, Luiz Carlos Aguiar. O contrato total dos 25 Super Tucano foi firmado em US$ 235 milhões.
Segundo Aguiar, as 20 aeronaves restantes têm um cronograma de entrega ao governo colombiano que vai até o início de 2008. 'É a primeira venda desse produto da Embraer para o mercado internacional e ele deverá abrir as portas para outros contratos', comentou o executivo.
No momento, a fabricante brasileira participa de uma licitação aberta pelo governo da Turquia para aquisição de 36 aeronaves, com opção de compra de outras 19. A Embraer já apresentou, em setembro, sua proposta comercial-financeira para seu modelo Super Tucano e tem como concorrente um grupo coreano.
A Força Aérea turca, que deverá enviar alguns representantes ao Brasil no início de 2007 para conhecer de perto a aeronave, pretende concluir o processo licitatório em meados do próximo ano, afirmou Aguiar. 'Ficamos nós e o coreanos, que são bastante competitivos', comentou.
A americana Raytheon, que não concordou em atender a exigência de off-set (contrapartida para transferência de tecnologia vinculada ou não ao avião) e concorrentes suíços ficaram de fora. A Embraer, com a concordância de seu conselho, inclui o off-set em sua proposta, bem como os coreanos.
O executivo evitou especificar o valor que renderá esse contrato, caso vença a disputa. Alegou questão de estratégia concorrencial e que esses peidos tem especificações. 'Muitas vezes, a parte aviônica da aeronave pode ser desenvolvida no próprio país comprador.'
O Super Tucano é resultado de um desenvolvimento conjunto, iniciado em 1995, entre a Embraer e a Força Aérea Brasileira (FAB). É uma evolução da aeronave de treinamento básico Tucano, que já teve 650 unidades entregues. A própria FAB é o primeiro cliente do Super Tucano, com um pedido de 99 aeronaves feito há três anos. Neste mês, a Embraer planeja entregar o avião de nº 44. O último tem previsão de sair da linha de montagem da fabricante em 2009.
A FAB usa a aeronave em missões de treinamento básico e avançado de pilotos, incluindo familiarização com armamento, e em missões operacionais conjuntas com aviões do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).
Segundo Aguiar, o Brasil tem condição geopolítica favorável na América Latina que pode gerar oportunidades de negócios para a companhia. Seja na área de defesa, como na de transporte governamental. Neste ano foram entregues dois jatos 170 e um 190 para a equatoriana Tame.
A área de defesa e governo da Embraer deverá fechar o ano com participação de 9% da receita total da empresa. O executivo não revelou quanto isso representará em valor, o que só poderá ser feito na publicação do balanço anual. Até setembro, a receita total foi de US$ 2,7 bilhões. 'Em 2010 ou 2011, poderemos chegar a 12%', afirmou.
Fonte: Valor