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DaimlerChrysler une diferenças culturais

Depois de oito anos e perda de bilhões de dólares, alemães e americanos aprendem a trabalhar juntos

Publicado: 13 Abril, 2006 - 08h00

Escrito por: CNM CUT

Uma estrela gigante de metal com três pontas domina a encosta do vale Neckar, na cidade industrial de Stuttgart, capital do próspero estado de Baden-Württemberg, sudoeste da Alemanha. A estrela gira sobre o iluminado e espaçoso complexo de edifícios no subúrbio de Möhringen. Por mais de dez anos, o local vem sendo a sede da Daimler-Benz (posteriormente renomeada como DaimlerChrysler), o orgulho entre as gigantes industriais alemãs. A sede foi inaugurada por Edzard Reuter, um destacado político e intelectual que, por oito anos em meados dos anos 80, comandou a Daimler-Benz, como símbolo de um império empresarial em expansão.

O sonho de Reuter era transformar a Mercedes-Benz em um 'negócio integrado de tecnologia'. Comprou empresas que fabricavam aviões e trens; fogões e geladeiras; entrou na área de computação; e diversificou ainda mais suas operações de finanças. Em pouco tempo, a sede na montanha reinava sobre nomes industriais famosos na Alemanha, como Dornier, MTU e AEG, além da holandesa Fokker e da francesa Cap Gemini.

Foi uma farra espetacular; e também um completo fracasso. O preço das ações da empresa despencou, mesmo com mercado acionário alemão estando nas alturas. O sucessor de Reuter, Jürgen Schrempp, começou a desmembrar o império, pedaço a pedaço, vendendo as unidades de trens, aviões e de programas de computador. Passou a falar-se menos em 'integração' e mais sobre o que fazer para impulsionar a unidade automotiva, a principal do grupo.

Também em pouco tempo, Schrempp estava construindo seu próprio império. Ex-mecânico de carros, que subiu na hierarquia da empresa após comandar a unidade sul-africana, ele queria transformar a Mercedes de uma fabricante regional de sedãs de luxo em uma montadora verdadeiramente global, com presença significativa nos Estados Unidos. Em 1998, ele assumiu o controle da Chrysler, convertendo a Mercedes em um peso pesado mundial, com uma ampla linha de produtos e mercados. Seu raciocínio foi o de que, com o endurecimento da concorrência, até as marcas de luxo como a Mercedes precisariam de um maior volume de produção para sustentar os custosos desenvolvimentos tecnológicos necessários para continuar na dianteira do mercado.

Estrategicamente, era o passo certo a ser dado. Rivais como o diretor da BMW elogiaram sua coragem e admiraram sua estratégia. O chefe da Ford Motor nunca perdoou Schrempp por não ter tentado a fusão da Daimler-Benz com a sua empresa em vez de com a Chrysler. O único problema da estratégia de Schrempp era fazê-la funcionar.

No próximo mês, Dieter Zetsche, o sucessor de Schrempp, irá centrar-se ainda mais nas operações tradicionais da empresa. Seus principais executivos serão transferidos da sede em Möhringen para espremer-se no emaranhado de escritórios ao redor da gigante fábrica de motores de Untertürkheim, uma das mais antigas da Mercedes, na parte baixa do vale industrial. Apenas alguns escritórios administrativos continuarão no topo da montanha. 'Costumava haver uma atmosfera de eles e nós', explica Zetsche, referindo-se às pessoas da Daimler-Benz na parte alta da montanha e às da fábrica, na parte baixa. 'Para superar isso, decidimos que precisávamos um símbolo de que somos uma empresa automotiva fazendo carros e caminhões todos os dias, de manhã, ao meio-dia e à noite'.

A mudança, contudo, é muito mais simbólica. Mas é um sinal de que a parte alemã do grupo DaimlerChrysler será varrida dolorosamente da mesma forma que a parte de Detroit o foi nos últimos cinco anos. Nos próximos três anos, serão cortados 6 mil empregos de colarinho branco, cerca de 20% do total, e um de cada três postos administrativos serão eliminados.

Enquanto a atenção da direção estava focada em arrumar as operações da Chrysler e integrar o trabalho técnico e de engenharia entre duas marcas e empresas altamente diferentes, a Mercedes começou a patinar. Sua reputação de qualidade foi prejudicada por informes desfavoráveis de consumidores. Mesmo com os gerentes resolvendo os problemas, cometeram a distração de deixar-se cair em um ponto igualmente sério. O aumento dos custos na empresa não tinha mais condições de ser sustentado em um mercado competitivo. A incursão da empresa no segmento do mercado de menor valor dos carros compactos foi um custoso erro. Os carros Smart acumularam grandes prejuízos em meio ao declínio das vendas. Agora, é a vez da Mercedes entrar na oficina para um serviço de revisão atrasado, depois da longa e árdua estrada seguida pelo grupo DaimlerChrysler. No ano passado, a divisão Mercedes do grupo apresentou perdas de 505 milhões de euros (US$ 627 milhões), o primeiro prejuízo em mais de dez anos.

Quando o casamento da Daimler-Benz e da Chrysler foi anunciado em maio de 1998, foi a maior fusão industrial internacional na história. Mais do que qualquer outro, o acordo deu um sentido prático à globalização. Uma das principais montadoras da Europa e uma das maiores nos Estados Unidos reconheceram que não conseguiriam prosperar sem construir uma grande escala de produção para lidar com a globalização. Foi a maior revolução já vista no setor e inspirou em seguida a aliança entre Renault e Nissan, igualmente de grande abrangência global.

Quando o acordo foi concretizado no final daquele ano, emergiu a quinta maior montadora do mundo, com vendas de mais de US$ 150 bilhões. A Chrysler não era mais a retardatária das 'Três Grandes de Detroit' (como são chamadas General Motors, Ford e Chrysler); a Daimler-Benz não era mais uma montadora especializada em sedãs de luxo lutando para ampliar sua linha. Suas forças combinadas deixariam o grupo em condições de dominar o mundo.

Nos próximos três anos, serão cortados 6 mil empregos de colarinho branco e um de cada três postos administrativos

Essa era a teoria. A prática provou ser bem mais confusa. O preço das ações da DaimlerChrysler caiu de uma máxima de US$ 108 em janeiro de 1999 para US$ 38 em novembro de 2000. O grupo combinado mal tinha o valor da Daimler-Benz sozinha antes da fusão. Atualmente, o preço é apenas a metade do alcançado na euforia pós-acordo. O casamento no paraíso logo se tornou um inferno, com bilhões de dólares dos acionistas sendo queimados com a queda das ações. Em seguida, novos problemas na Chrysler aumentaram mais os receios dos investidores sobre a dura empreitada de integração das duas empresas.

Desde o início, a empresa combinada rachou, com divisões surgindo em todos os níveis. Nenhuma das partes conseguiu chegar a um consenso se o acordo se tratava de uma fusão de iguais ou se era uma aquisição, silenciosa, de uma empresa dos Estados Unidos por uma alemã em melhores condições financeiras. Durante pelo menos um ano, o grupo teve dois presidentes do conselho de administração, Schrempp, da Daimler, e Bob Eaton, da Chrysler. Eaton perdeu força ao dizer que iria desligar-se antecipadamente, o que desde o início o colocou na posição de estar perdendo o poder.

Apesar de meses de planejamento meticuloso e anos de esforços, a integração entre duas formas diferentes de trabalho ainda não havia sido obtida completamente. Os alemães, é verdade, aprenderam a ser menos formais e a conter sua propensão pela burocracia e pilhas de papéis, enquanto os americanos aprenderam a ser mais disciplinados em suas decisões e nas reuniões. Um dos erros dos alemães foi distanciar-se de Detroit - um dos motivos pelos quais os alemães demoraram a compreender que os americanos estavam na direção errada. Como os chefes da BMW não conseguiram lidar com a Rover, após terem comprado a deficitária montadora britânica em 1994, os alemães da Daimler provavelmente não queriam ser vistos como muito duros na forma de administrar.

Os dois primeiros anos foram consumidos em disputas sobre quem estava no controle e como a empresa combinada deveria ser administrada. Embora apresentada como uma fusão de iguais, o acordo não contemplava - como ficou claro posteriormente. A Daimler não podia arcar com um modelo de fusão que criasse uma empresa controlada conjuntamente com sede, por exemplo, na Holanda, já que isso traria grandes encargos fiscais. A Chrysler, portanto, teve que se tornar parte de uma Aktiengesellschaft (AG, sociedade anônima) alemã. Em compensação, para concordar com a aquisição, os acionistas da Chrysler receberam um ágio de 28% sobre o valor de suas ações.

As inevitáveis barreiras à integração poderiam ter sido superadas mais suavemente. O grupo, entretanto, passou a enfrentar dificuldades dos dois lados do Atlântico. Embora a Chrysler tenha sido a montadora mais rentável do mundo em meados dos anos 90, logo depois da fusão, suas fraquezas começaram a ficar visíveis como pontos de ferrugem em um carro.

Passado um ano da fusão, concretizada em novembro de 1998, o chefe americano da Chrysler foi demitido. Seu sucessor mal durou um ano, depois de a Chrysler ter saído de um lucro de US$ 2,5 bilhões no primeiro semestre do ano para um prejuízo de US$ 2 bilhões no segundo. A piora das condições do mercado expôs falhas na linha de produção da empresa, que não conseguia oferecer modelos suficientes para cobrir a demanda, cada vez mais fragmentada. Zetsche e Wolfgang Bernhard foram deslocados da Alemanha para assumir a empresa.

Ninguém imaginaria que seria preciso uma crise na Chrysler para catalisar a integração, mais do que atrasada. Primeiro, um executivo alemão de primeira linha teve de ser importado para arrumar a empresa americana; agora o mesmo homem, com cinco anos de experiência nos Estados Unidos, voltou para a Alemanha, para comandar todo o grupo.

'Agora é possível ver claramente que foi uma aquisição', brinca Zetsche, 'agora que um sujeito da Chrysler está comandando o espetáculo aqui em Stuttgart'. A piada teria ferido sensibilidades no passado, mesmo se feita há um ano. Agora, é sinal de que as empresas finalmente se tornaram uma.

Zetsche lembra que ao chegar na sede da Chrysler, em Detroit, encontrou uma empresa com problemas em cada um de seus departamentos. Em 2000, a Chrysler era uma empresa que havia perdido o rumo. A produtividade havia perdido contato com os padrões do setor. A Chrysler levava 40 horas para produzir um veículo, em comparação com as cerca de 20 horas das rivais Honda e Toyota nos Estados Unidos. O processo de compras era ineficiente e os custos fixos altos para uma empresa de seu tamanho. Os investimentos, de 10% das vendas, não eram suficientes para preencher os vazios na deficiente linha de produção.

O controle de qualidade era um problema constante. Pior, diz Zetsche, 'não havia um caminho fácil para consertar essas coisas'. Tom LaSorda, que substituiu Zetsche no comando da Chrysler lembra que a crise era ainda pior. 'Estávamos investindo mais que a GM, mesmo com eles tendo o dobro do nosso tamanho; era um caminho em direção à quebra e ainda estamos pagando por algumas dessas despesas'.

Os alemães aprenderam a ser menos formais e burocráticos e os americanos aprenderam a ser mais disciplinados

O plano de recuperação de Zetsche traçou como meta de tempo de produção de 30 horas por veículo até 2007. No ano passado, o tempo caiu para 33,6 horas e os próximos números, a serem divulgados em junho, mostrarão mais melhoras. Um plano qüinqüenal de investimentos em bens de capital de US$ 42 bilhões foi cortado para US$ 29 bilhões, mas o número de novos produtos em desenvolvimento aumentou em 50%, com um uso mais eficiente dos recursos. O tempo para apresentar novos modelos caiu de dois anos para 17 meses. Alguns grandes custos, como os com máquinas matrizes, caíram 40%, segundo LaSorda. A Chrysler encolheu de tamanho, para adequar-se ao número de veículos que podia vender. Fechou seis fábricas e cortou 45 mil empregos, um terço do total.

A Chrysler também começou a beneficiar-se da tecnologia da Mercedes. De acordo com Frank Klegon, diretor de desenvolvimento de produtos da Chrysler, o compartilhamento de tecnologia entre os engenheiros começou logo depois da fusão, apesar dos problemas de integração entre os altos executivos. O melhor resultado foi o modelo Chrysler 300. Com sua tecnologia alemã de tração nas rodas traseiras, até parece que se está dirigindo uma Mercedes. Suas vendas não apenas aumentaram a receita e os lucros. Sua imagem rude, mas com estilo, fez maravilhas pela marca Chrysler, levando-a para a faixa mais cara do mercado. O Dodge Charger, Jeep Commander e Dodge Ram Mega Cab estiveram entre os 15 veículos lançados nos últimos dois anos. Outros dez devem chegar ao mercado neste ano.

Atualmente, a Chrysler é montadora de Detroit em melhor forma, dona de uma marca que subiu de patamar de mercado, mesmo com o corte de capacidade de produção e de empregos. A divisão Mercedes passa agora pela mesma dura reestruturação. Zetsche assumiu o principal cargo em janeiro, depois de ter ganhado reputação pela recuperação da Chrysler. Está encarregado de tentar recuperar o status da Mercedes como marca de luxo líder na Alemanha, título perdido para a BMW há dois anos.

Entretanto, a concorrência no mercado americano, onde a Chrysler vende a maioria de seus 2,8 milhões de carros por ano, é tão grande, que mesmo sua nova e forte linha de produtos enfrenta problemas. O forte aumento nos lucros da Chrysler no ano passado foi impulsionado por fatores excepcionais, sendo que o lucro básico, excluindo ganhos excepcionais e financeiros, caiu no quarto trimestre. A empresa negocia com sindicatos novos cortes nos benefícios com planos de saúde. A Chrysler possui melhor histórico nas negociações com sindicatos do que GM e Ford. Deve colher os benefícios dessas concessões que as duas concorrentes apenas agora começam a ganhar da central sindical United Auto Workers (UAW).

Se caminharmos pela grande fábrica da Mercedes em Sindelfingen, em Stuttgart, o cenário parece com qualquer outro. O vasto complexo produz 2,1 mil carros por dia e emprega mais de 42 mil pessoas. Mas o ritmo está mais lento. Há tantas especificações nos carros de luxo da Mercedes, que praticamente não há dois carros iguais deixando a linha. A Mercedes usa milhares de robôs para reduzir o uso da cara mão-de-obra local.

É possível ver os mesmos robôs vermelhos nas fábricas da Chrysler nos Estados Unidos. Compras em grande escala como essa são uma forma prática de aproveitar o aumento de quatro vezes na produção trazido pela fusão. Com a expansão da BMW e Volkswagen arrebatando vendas com seus modelos de luxo Audi, a Mercedes agora precisa cortar custos para voltar a ser rentável.

Um plano iniciado no ano passado deverá trazer economias anuais de 1,5 bilhão de euros, sendo que mais cortes de custos já estão sendo planejados. Mais de 5 mil funcionários nas fábricas alemãs aceitaram pacotes de desligamento voluntário. Mais 3,5 mil o deverão fazer até setembro deste ano.

A DaimlerChrysler agora está focada em consertar a marca de carros Smart. Há mais de dez anos, a Mercedes juntou forças com os inventores dos relógios Swatch para produzir carros compactos, usando técnicas revolucionárias. Os veículos, no entanto, nunca cumpriram as expectativas dos projetistas e a divisão é uma deficitária reincidente. Uma placa de 'vende-se' foi levantada ano passado, mas nenhum interessado apareceu até agora.

A linha está sendo cortada e Zetsche redobrou os esforços para tornar o grupo rentável no próximo ano, afirmando que fará o que for necessário. No ano passado, a DaimlerChrysler teve encargos de 1 bilhão de euros para cobrir cortes e prejuízos. No final de março, a empresa anunciou que reservará mais 1 bilhão de euros para consertar a Smart.

Outra crise pós-fusão a ter assombrado Schrempp surgiu na Ásia. Em 2000, a DaimlerChrysler investiu 2,1 bilhões de euros em uma participação de 34% na Mitsubishi Motors. Depois de um escândalo de problemas de qualidade que haviam sido ocultados, o conselho de administração da DaimlerChrysler recusou um pedido de Schrempp para refinanciar a Mitsubishi. A DaimlerChrysler saiu da japonesa em novembro. Isso representou o colapso quase total da estratégia de Schrempp para a Ásia, o que deixou a DaimlerChrysler em dificuldades para tentar alcançar as rivais em mercados como a China, onde a montadora mostra-se lenta em aproveita o alto crescimento de vendas no setor. 

Fonte: Valor