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Ford e GM ressuscitam uma rivalidade histórica e amarga

Publicado: 24 Novembro, 2011 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Jim Farley, diretor de marketing da Ford Motor Co., tem dito há anos para seu filho pequeno que uma pessoa muito assustadora mora no bairro - um homem que trabalha para a General Motors Co.

O vizinho, como ele já explicou, é um "homem mau" que trabalha para a "empresa errada", lembrou Farley numa conferência recente de blogueiros, segundo um vídeo do evento que foi carregado no YouTube.

No Halloween, quando pai e filho foram seguir o costume americano e bateram na porta do homem para pedir doces, o garoto aceitou as guloseimas dele e respondeu dizendo que carros da GM são "para fracassados", contou Farley aos blogueiros, acrescentando que "nunca tive tanto orgulho do meu filho".

Os Estados Unidos têm várias grandes rivalidades empresariais: Apple vs. Microsoft, Visa vs. Mastercard, Coca vs. Pepsi. Mas poucas são tão próximas e pessoais quanto a eterna batalha entre as duas gigantes montadoras de Detroit.

A Ford, fundada em 1903, e a GM, fundada cinco anos depois, se enfrentam há mais de um século. A raiva é alimentada pela proximidade das duas. A sede da Ford, em Dearborn, no Estado de Michigan, fica a 17 quilômetros da sede da GM, no centro de Detroit. Não é muito diferente da distância entre as sedes das subsidiárias de cada uma em São Paulo: a Ford, em São Bernardo e a GM, em São Caetano do Sul.

A rivalidade entre a GM e a Ford foi para o banco traseiro na última década enquanto cresciam os problemas nas duas empresas e a Toyota Motor Corp. e a Honda Motor Co. emergiam como ameaças para ambas. O diretor-presidente da Ford, Alan Mulally, foi a Washington em 2008 para ajudar a convencer o governo de liberar um pacote de socorro para a GM e a menor das três grandes montadoras de Detroit, a Chrysler Group LLC.

Mas agora que a GM conseguiu se levantar, ela está mostrando que continua um concorrente ferrenho para a Ford. Até agora este ano, a GM aumentou a participação do mercado americano em oito décimos de ponto porcentual, para 19,8%. A Ford só conseguiu crescer um décimo de ponto, para 16,8%. E nos primeiros três trimestres do ano, a GM ganhou mais que Ford, com lucro de US$ 7,4 bilhões ante os US$ 6,6 bilhões da concorrente.

O retorno das hostilidades surge em meio a uma importante oportunidade para ambas as empresas. A Toyota e a Honda estão em baixa, afetadas por escassez de veículos, desastres naturais e alguns problemas de qualidade. Mas as companhias dos EUA têm uma abertura para abocanhar mercado em casa - e mais uma vez o obstáculo é o inimigo que mora ao lado.

Este ano, o diretor-presidente da GM, Dan Akerson, foi indagado por um repórter de um jornal de Detroit sobre a marca Lincoln, da Ford, cujas vendas há anos vinham sendo ruins. Ele não teve papas na língua.

"Eles estão tentando os diabos para ressuscitar a Lincoln. Bom, [...] pode também jogar água benta. Já era", disse Akerson.

Dois anos atrás, as reuniões semanais que Mulally realiza com seus principais assistentes geralmente se concentravam na Toyota como o principal concorrente a se ficar de olho, disse uma pessoa que já participou das reuniões. Agora os executivos da Ford voltaram a se preocupar com a GM, disse a pessoa.

Em reuniões recentes, executivos da Ford expressaram preocupação com o bom desempenho do carro esportivo Chevrolet Camaro em relação ao Mustang, da Ford. A Ford agora está redesenhando seu clássico carro esportivo e o sucesso do ousado Camaro aumentou a pressão para ela fortalecer o design do Mustang, disse a pessoa.

Executivos da Ford também temem que a mancha do resgate governamental da GM já esteja se dissipando na mente do público, o que pode facilitar para a montadora conquistar mais clientes.

Numa propaganda recente, a Ford tentou aproveitar o estado de espírito das pessoas que não apreciaram a ajuda governamental à GM. Ela apresentou o dono de um Focus dizendo que "eu não ia comprar outro carro socorrido por nosso governo. Eu queria comprar de um fabricante que se manteve de pé sozinho - seja na vitória, na derrota ou no empate", disse o homem.
A Ford parou de veicular o comercial, mas ele gerou incômodo na GM.

Este ano, enquanto as montadoras negociavam com o sindicato de metalúrgicos United Auto Workers, a GM acabou com o que já se tornara uma tradição de realizar teleconferências com sua rival para discutir estratégias e trocar informações, disse uma pessoa a par da situação.

Algumas semanas atrás, o time de futebol americano Detroit Lions - do qual a família Ford é dona, mas que não tem vínculo oficial com a empresa - estava jogando numa noite de segunda-feira. A GM se ofereceu para exibir o logotipo do time numa placa iluminada no topo de sua sede, que é filmada frequentemente nas transmissões de jogos em Detroit. A Ford rejeitou a ideia com o argumento de que o time não pode ser associado a outra montadora.
As equipes de relações públicas das duas empresas trabalham para promover seus próprios sucessos - e para ressaltar as fraquezas da outra.

Quando as vendas da GM começaram a decolar este ano, um analista de vendas da Ford explicou a repórteres que a alta foi simplesmente resultado do aumento dos incentivos e descontos da montadora. Alguns meses depois, funcionários da GM ressaltaram com satisfação que as vendas da Ford subiram no meio do ano porque ela aumentou as vendas para locadoras de carros.

"Achamos que as pessoas precisam saber o que está acontecendo com as outras empresas", disse o porta-voz da GM, Selim Bingol. Um porta-voz da Ford não quis comentar.
Nenhum executivo destilou tanto veneno quanto Farley, o diretor de marketing da Ford. No Salão do Automóvel de Los Angeles, Farley deu risada quando perguntado da história do Halloween, e disse que "o americano adora um azarão. Foi isso que Henry Ford criou".

Ele também ganhou destaque alguns meses atrás por alguns comentários que fez quando falou sobre a GM num livro do repórter do "The New York Times" Bill Vlasic, chamado "Era Uma Vez Um Carro", ainda sem tradução no Brasil.

"A GM que se f-. Odeio eles e a empresa deles por causa do que representam. E odeio a maneira como estão sendo bem-sucedidos", disse Farley, segundo o livro.

Os comentários dominaram as conversas em Detroit - e motivaram até um cessar-fogo. Akerson encontrou Mulally num restaurante de Detroit certa noite, mas em vez de protestar o ponto de vista de Farley, ele adotou um tom conciliador, segundo pessoas a par da questão.

Akerson disse que sabia por causa de seu próprio comentário da "água benta" sobre a Lincoln como palavras soam duras às vezes quando se fala de seu concorrente, disseram essas pessoas.

Perguntado sobre a rivalidade numa entrevista recente ao The Wall Street Journal, Akerson foi mais reservado e disse que a "Ford é um concorrente durão, que conhece as ruas. Se eles estão gastando tempo se preocupando conosco, isso me deixa feliz".

A Ford não quis disponibilizar Mulally para comentar.

Fonte: Valor