Montadoras investem em centros de desenvolvimento no País
Publicado: 06 Fevereiro, 2008 - 08h00
Escrito por: CNM CUT
Empresas ampliam laboratórios para terem autonomia em novos projetos e criarem carros 100% nacionais
A Fiat vai inaugurar no fim do ano um laboratório de segurança que fará, entre outras atividades, o chamado crash test, quando o carro é arremessado contra a parede para verificar os resultados do impacto no veículo e nos ocupantes. Hoje, a empresa envia seus modelos novos para serem testados na Itália. Com o aumento da demanda interna, as montadoras estão ampliando seus centros de desenvolvimento para reduzir custos e, principalmente, o tempo de criação de novos produtos.
O prazo entre início do projeto, quando se faz o esboço do carro, e o momento de lançamento deve ser reduzido em pelo menos um ano na Fiat. Para o desenvolvimento de um automóvel novo, o tempo deve diminuir de 36 para 24 meses, calcula Claudio Demaria, diretor de engenharia da empresa. Com o laboratório que será instalado na fábrica de Betim (MG), a montadora estará apta a desenvolver integralmente um carro no País, sem ajuda da matriz italiana ou de terceiros. O primeiro carro 100% nacional, antigo projeto da marca, chegará ao mercado em 2010, diz Demaria.
A General Motors vai ampliar os laboratórios de ruídos e vibração e o campo de provas em Indaiatuba (SP). A área receberá pista exclusiva para avaliar carros com freio ABS, com coeficiente de baixo atrito para verificar, por exemplo, condições do veículo em terreno escorregadio. Atualmente, a empresa usa pistas das fabricantes Bosch e TRW para avaliações. As obras devem estar concluídas em meados de 2009.
'Cobrimos toda a cadeia de desenvolvimento, desde a realização do projeto, protótipos, testes e validação', diz Pedro Manuchakian, vice-presidente de engenharia da GM para a América Latina, África e Oriente Médio. Segundo ele, a vantagem de se ter estrutura completa é a qualidade do produto com as características do mercado local, a prioridade do desenvolvimento por não depender de terceiros e a possibilidade de rápida reação se o mercado exigir mudanças no produto.
A GM só não dispõe no Brasil de laboratório de eletromagnética, que mede a interferência de ondas eletromagnéticas nos sistemas dos automóveis. 'O investimento é muito alto e, como o uso não é tão intenso, preferimos usar os laboratórios dos Estados Unidos e da Europa', explica Manuchakian.
Outra opção é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), em São José dos Campos (SP), que aluga seu laboratório para testes. Entre as montadoras, só a Fiat tem esse serviço no País, realizado em uma câmara de compatibilidade eletromagnética que mede a interferência de equipamentos como celulares e satélites nos sistemas eletrônicos do carro.
A Meriva, lançada em 2004, foi toda desenvolvida pela GM no Brasil e enviada ao exterior para o teste eletromagnético. O Celta também foi criado pela engenharia local, mas sua estrutura era baseada em um produto já existente, o Corsa Classic. 'A Meriva tinha arquitetura nova e foi nosso divisor de águas no desenvolvimento local', diz Manuchakian. O modelo é produzido também na Espanha.
O desenvolvimento desses dois produtos, além de adaptações como a da S10, credenciaram a filial brasileira a ser escolhida pela GM americana como centro mundial de desenvolvimento de picapes médias. O primeiro fruto dessa missão ficará pronto em dois ou três anos.
O próximo passo da GM é atuar no desenvolvimento de veículos híbridos, movidos a células de combustível (ou elétricos). A empresa terá de investir em laboratório de projetos eletroeletrônicos e baterias.
A GM inaugurou, em 2006, uma sala de realidade virtual em São Caetano do Sul (SP), onde são feitos projetos em três dimensões. A empresa gasta em média 5% do faturamento na área de desenvolvimento. O laboratório de segurança da Fiat está incluído no investimento de R$ 5 bilhões que o grupo fará no País até 2010.
Cada 'dummy', boneco usado nos testes de colisão, custa US$ 100 mil e são necessários vários deles, de diferentes estaturas, para simular efeitos de um acidente com uma família. Quando um modelo é desenvolvido, a Fiat costuma fazer o teste com pelo menos 40 carros.
Brasil lidera projetos entre os emergentes
O presidente da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), Vilmar Fistarol, diz que as montadoras locais estão se equiparando às matrizes no desenvolvimento de projetos. Já entre os emergentes, o Brasil está à frente de países como China e Índia que, em sua visão, levarão algum tempo para atingir o estágio brasileiro.
'Os 50 anos de história da indústria brasileira, o conhecimento e a escala de produção colocam o País em estágio avançado na área de desenvolvimento', diz Fistarol. Entre as vantagens do investimento local, ele cita a redução do tempo de desenvolvimento do produto. 'Já houve casos em que carros brasileiros enviados para testes no exterior ficaram mais de dois meses parados nos portos por problemas burocráticos.'
O novo Ka, que chega às lojas este mês, foi a primeira experiência da Ford brasileira em conceber um carro, desde o conceito até a definição de projeto, design e engenharia. Já os testes de segurança e de interferência eletromagnética foram feitos nos EUA. 'Seria necessário um alto investimento em laboratório', explica Milton Lubraico, gerente de novos programas de engenharia da Ford.
O EcoSport também foi feito por engenheiros brasileiros, mas eles trabalharam no projeto nos EUA, enquanto para o Ka não foi preciso sair do País.
A Ford tem equipamento que ajuda a modular os protótipos - carros em tamanhos naturais feitos em argila. 'Colocamos o desenho no software e a máquina modula como se fosse um torno eletrônico', diz Lubraico. As facilidades disponíveis, principalmente no centro de desenvolvimento da Ford na Bahia, reduziram o tempo de desenvolvimento de um carro em um terço em relação há seis ou sete anos, afirma Lubraico.
A Honda, no País há dez anos, ainda não tem força para desenvolver seus modelos, pois a escala de produção 'não justifica investimentos em centros de desenvolvimento', diz o gerente-geral Alberto Pescuno.
A empresa realiza consultas com consumidores para promover mudanças nos veículos criados pela matriz que serão produzidos no Brasil. O Civic, por exemplo, tem 17 particularidades que a versão americana não tem.
A PSA Peugeot Citroën, instalada no Rio em 2001, segue o caminho das empresas mais antigas, que nacionalizaram seus departamentos de criação aos poucos. A montadora iniciou em 2006 a contratação de mil engenheiros e designers no Brasil e na Argentina. 'O objetivo é ter capacidade para desenvolver veículos inteiros no Mercosul', diz Vicent Rambaud, diretor-geral da PSA.
Ele ressalta que a filial ainda usa muito da infra-estrutura da matriz na França, como na realização dos testes de colisão. 'Mas o desenvolvimento de nossos motores flexfuel, a suspensão diferenciada e as alterações de design do Peugeot 206 Escapade foram feitas no Brasil.'
Fonte: O Estado de S.Paulo