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Qual gigante vale mais: Vale do Rio Doce ou a Petrobras?

Publicado: 23 Agosto, 2007 - 08h00

Escrito por: CNM CUT

Mineradora e petrolífera travam uma disputa à parte para ver qual das duas companhias ocupará no futuro o topo do ranking das empresas com maior valor de mercado no Brasil

Apesar de terem sedes praticamente vizinhas, separadas por alguns poucos quarteirões e prédios antigos do centro do Rio de Janeiro, Petrobras (no 1 do ranking das 500 maiores de MM) e Vale (no 8) sempre guardaram uma respeitosa distância de dezenas de bilhões de dólares nas planilhas dos operadores de mercado -- com a Petrobras em confortável dianteira.

Nos últimos tempos, é como se as tais planilhas estivessem encolhendo. Em termos de valor de mercado, nunca a distância entre as duas gigantes foi tão pequena. Em 2001, uma Petrobras valia três Vale do Rio Doce. No ano passado, segundo o levantamento de MELHORES E MAIORES, a mineradora registrou uma valorização de 32,7%, chegando à cotação de 68 bilhões de dólares.

Enquanto isso, a petrolífera subiu 27,8% e fechou 2006 em 108 bilhões de dólares. Caso o ritmo de valorização das duas companhias seja o mesmo nos próximos anos, a Vale irá ultrapassar a Petrobras em 2019, segundo estimativas de especialistas da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) da Universidade de São Paulo.

Não que a estatal e a mineradora estejam disputando uma corrida. Mas a mudança dos últimos anos na percepção do mercado sobre as duas maiores empresas brasileiras carrega um simbolismo notável, não só por elas terem um passado comum de estatais mas também por atuarem num setor em franca expansão, o de exportação de commodities. Desde 2004, o preço do barril de petróleo passou de 30 dólares para mais de 70 dólares, por causa da instabilidade geopolítica no Oriente Médio e do aumento do consumo, principalmente nos Estados Unidos e na China. No mesmo período, o minério de ferro teve reajustes de mais de 100%, graças ao aumento da demanda chinesa, que produz 34% do aço mundial.

O superciclo das commodities vem tendo um impacto forte na economia brasileira. De acordo com o levantamento de MELHORES E MAIORES, os setores que negociam matérias-primas -- mineração, siderurgia e metalurgia, entre outros -- tiveram um desempenho acima da média em 2006 no campo das exportações. O fenômeno também é uma das principais explicações para o notável desempenho da balança comercial brasileira nos últimos anos. De 2001 para cá, o saldo positivo foi de 3 bilhões para os atuais 46,1 bilhões de dólares. 'Tanto a Petrobras como a Vale foram beneficiadas pelo superciclo das commodities e, pelo menos em tese, tinham as mesmas chances de aproveitar o bom momento para expandir-se rapidamente e multiplicar seu valor de mercado', diz Ruy Quintans, professor da escola de negócios Ibmec-Rio e consultor de finanças e gestão de empresas. 'Mas a Vale se deu melhor por ter muito mais liberdade e rapidez de ação do que a Petrobras, que ainda por cima sofre um entrave, o da influência política.'

A diferença, portanto, está na maneira como elas surfaram essa onda. Na Petrobras, o lucro cresceu 9% em 2006. Na Vale, o resultado subiu 29% no mesmo período. Com o caixa cheio, a mineradora pôde partir para uma estratégia agressiva de aquisições. Desde 2005, comprou seis empresas ao redor do mundo. Se o ponto de partida considerado for o ano de 2000, a conta sobe para 18. A mais significativa delas foi a compra da canadense Inco, em outubro de 2006. Com essa aquisição, a Vale conseguiu outra vantagem competitiva que a Petrobras ainda não alcançou: diminuiu a dependência de seu principal produto, o minério de ferro, e entrou como líder no mercado de níquel, um dos minerais que mais se valorizam no mundo. Com essa perspectiva, o prazo para pagamento da dívida feita para comprar a Inco, de 18 bilhões de dólares, foi alongado de dois para dez anos.

A política de expansão internacional da Vale não diminuiu de ritmo com a aquisição da empresa canadense. Em abril, ela comprou por 700 milhões de dólares a empresa australiana AMCI Holdings Australia Pty, que opera e controla ativos de carvão por meio de participações em joint ventures. O movimento faz parte da estratégia da companhia brasileira de criar um braço forte para participar do mercado mundial desse produto. Além de continuar atenta a novas oportunidades de negócios, a Vale vem fazendo esforços para consolidar as empresas recém-adquiridas. Até o fim de 2007, a mineradora prevê investimentos de mais de 6 bilhões de dólares. Boa parte desse montante será direcionada para as novas empresas, a fim de ajustá-las aos seus padrões de gestão, eficiência e rentabilidade. 'A Vale vem realizando um grande esforço de redução de custos e aumento de produção, e teve audácia e agilidade para aproveitar oportunidades', afirma Felipe Reis, analista de mineração do banco Santander.

A Petrobras continua colhendo resultados impressionantes em várias áreas. Em 2006, segundo os dados de MELHORES E MAIORES, foi novamente a campeã nos rankings de vendas (77,6 bilhões de dólares) e exportações (11,7 bilhões de dólares). Mas sua avaliação de mercado não vem crescendo no mesmo ritmo da Vale por alguns problemas. Um deles foi o desgaste político provocado pela postura vacilante quanto à nacionalização de suas operações na Bolívia. Apesar de ter feito pouca diferença em termos financeiros, a pendenga até hoje não resolvida com o presidente boliviano Evo Morales provocou insegurança sobre o abastecimento de energia no país e obrigou a estatal a aumentar o investimento previsto para garantir a oferta de gás nacional. Além disso, a Petrobras enfrentou alta de preços de equipamentos e de pessoal. Resultado - os balanços do primeiro semestre de 2007 registraram aumento de custos de 30% em comparação ao mesmo período de 2006. A produção caiu 2% desde o início do ano, devido a paradas para manutenção e atrasos no início da operação de plataformas. E o mercado passou a descontar o fator político do preço das ações da empresa. 'Não há como prever de forma segura a evolução da Petrobras, porque sua estratégia pode oscilar ao sabor das orientações políticas', diz uma consultora que prefere manter-se anônima. Para o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, essa avaliação é equivocada. 'Evoluímos ao mesmo ritmo das petrolíferas estrangeiras. Em alguns itens, como aumento do lucro, temos resultados até melhores do que algumas delas', diz Barbassa.

Mais recentemente, a Petrobras sofreu outro grave arranhão em sua imagem por causa de uma investigação destinada a desbaratar uma grande rede de corrupção nas licitações da estatal. Batizada de Operação Águas Profundas, a ação da Polícia Federal teve início em julho e já resultou na prisão de mais de uma dezena de pessoas - entre elas, os funcionários da Petrobras Carlos Alberto Pereira Feitosa (coordenador da comissão de licitação), Carlos Heleno Netto Barbosa (gerente-geral da unidade de serviços e sondagem de semi-submersíveis) e Rômulo Miguel de Morais (gerente de plataforma). Os envolvidos são suspeitos de criar uma esquema destinado a favorecer algumas construtoras nas licitações de plataformas petrolíferas. 'Os escândalos de corrupção ocorrem mais facilmente em estatais, mesmo aquelas que possuem ações em bolsa, já que os controles internos não são tão rigorosos como os de uma grande empresa privada de capital aberto', afirma Quintans, do Ibmec-Rio. 'Problemas desse tipo podem corroer o valor de mercado da Petrobras no médio prazo, porque pioram a percepção do investidor em relação à governança da empresa. Ninguém vai querer investir numa empresa cuja administração permite que dinheiro, recursos e esforços sejam gastos em coisas que não criem valor para o acionista.'

A evolução da bolsa

Com o crescimento e a sofisticação do mercado brasileiro de ações, empresas como a Petrobras estão sendo analisadas com cada vez mais atenção pelos investidores. Entre 1994 e 2006, o número de empresas com capital aberto no Brasil apresentou uma queda de 582 para 394 empresas. À primeira vista, esse número parece sugerir uma retração do mercado de capitais, impressão que se desfaz completamente quando se analisam os números movimentados pela Bolsa de Valores de São Paulo no mesmo período - o salto foi de 61 bilhões de reais para 600 bilhões de reais. Outra medida dessa tremenda evolução é o desempenho do índice Bovespa. Ele estava no patamar de 4 000 pontos na década de 90 e, em abril de 2007, ultrapassou pela primeira vez na história a marca de 50 000 pontos. Esse desempenho da bolsa é um reflexo do bom momento vivido pela economia brasileira, com estabilidade da moeda, inflação baixa e um crescimento contínuo - ainda que abaixo da média mundial e longe dos resultados colhidos por outros gigantes emergentes, como China e Índia. O ambiente externo também é favorável ao Brasil, com o mundo passando por um dos maiores ciclos de crescimento contínuo da história.

Nessa fase pujante da bolsa brasileira, Petrobras e Vale são as grandes vedetes dos investidores. As duas companhias travam uma disputa à parte, pois estão bem à frente do Bradesco, o terceiro colocado no ranking das maiores empresas brasileiras por valor de mercado. Segundo os analistas, o futuro continuará oferecendo boas oportunidades tanto para a Vale como para a Petrobras. No caso da petrolífera, a previsão é que o preço do barril permaneça entre 65 e 70 dólares em 2008, já que a demanda seguirá alta e não há, no curto prazo, um produto com escala suficiente para substituí-lo. Espera-se também um aumento de produção para a Petrobras. 'Novas plataformas entrarão em operação e novas descobertas devem ser anunciadas, o que deve ajudar o desempenho da empresa', diz Luiz Broad, analista de petróleo da Ágora Corretora. O cenário que se avizinha para a Vale é igualmente promissor. A demanda por minérios também deve continuar elevada, favorecendo a negociação dos reajustes para 2008 em taxas próximas de 10%. 'Por causa do desenvolvimento de países como China e Índia, o consumo de minério vai continuar bastante alto', diz Bruno Rocha, analista de mineração da Tendências Consultoria. Ou seja, permanece aberto o espaço para que as duas maiores companhias brasileiras continuem na disputa pelo título de empresa com maior valor de mercado no Brasil.

Fonte: Exame