Submarino francês é alvo de críticas por parte de minstro indiano
Publicado: 27 Agosto, 2009 - 00h00
Escrito por: CNM CUT
O submarino de propulsão diesel-elétrica Scorpène, que faz parte de um pacote de 6,8 bilhões de euros fechado pelo governo brasileiro com a estatal francesa DCNS, tem um retrospecto de atrasos e falhas técnicas na Índia e no Chile, dois dos únicos três países no mundo que operam esse equipamento militar - o outro é a Malásia, onde o contrato com a empresa esteve na origem de escândalos políticos.
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, deverá assinar o contrato com o Brasil, negociado em 2008, durante a visita oficial que fará ao país, na primeira semana de setembro. A programação de Sarkozy em Brasília inclui até mesmo sua presença no desfile militar do Dia da Independência.
As maiores evidências de problemas com o modelo francês estão na Índia, que fechou um contrato em 2005 para a compra de seis submarinos convencionais da França, por US$ 3,9 bilhões. O contrato com a Índia previa a entrega de um submarino por ano, a partir de 2012. No entanto, o programa acumula dois anos de atraso e seus custos subiram pelo menos 10%. De acordo com o governo indiano, a construção dos equipamentos deveria ter atingido 27% do total em dezembro passado, mas só houve progresso efetivo em 9% das atividades. O relato foi feito pelo ministro da Defesa local, em 20 de julho, ao Parlamento da Índia.
Numa audiência com congressistas, o ministro reclamou de problemas com a transferência de tecnologia prometida pelos franceses e advertiu que os atrasos "provavelmente terão impacto" na capacidade das forças marítimas indianas. Da frota de 16 submarinos convencionais, incluindo russos e alemães, sete deverão sair de operação até 2012. Isso preocupa as autoridades do país, no contexto de uma região com forte tensão geopolítica - Paquistão e China estão aumentando rapidamente as forças de combate marítimas.
O contrato da Índia com a França prevê a construção dos submarinos a diesel, com transferência de tecnologia, em um estaleiro indiano localizado em Mumbai. Também em julho, o escritório indiano de Auditoria e Controladoria Geral (CGA) apontou a existência de "vantagens financeiras indevidas" à França. "Foram feitas (aos franceses) grandes concessões em termos de garantias, desempenho das garantias bancárias, arbitragem e liquidação de prejuízos", concluiu a auditoria.
A Marinha do Chile, que encomendou dois aparelhos Scorpène em 1997 e foi uma das primeiras parceiras da França no projeto, admitiu ter enfrentado algumas complicações. Pouco após a entrega da primeira unidade, em dezembro de 2005, o SS-1 OHiggins, o então comandante da Marinha, almirante Rodolfo Codina, declarou que um dos motores apresentava "problemas pontuais": uma infiltração de água pelo sistema de resfriamento, que trazia riscos de oxidação de partes do aparelho.
Dentro do contrato de 6, 8 bilhões de euros com a França, o Brasil gastará 1,660 bilhão de euros com quatro submarinos de propulsão diesel-elétrica, que custarão 415 milhões de euros por unidade. A construção, no Rio de Janeiro, do casco do primeiro submarino nuclear brasileiro custará mais 2 bilhões de euros. Vale ressaltar que a França participará apenas com a parte não nuclear do projeto, já que a Marinha do Brasil está desenvolvendo integralmente o reator atômico do futuro submarino, cujo protótipo os almirantes dizem que ficará pronto em 2014.
Do restante do investimento, 1,8 bilhão de euros será aplicado em um novo estaleiro (para a construção dos equipamentos) e de uma nova base naval, capaz de abrigar o novo submarino nuclear. Também será investido 1,240 bilhão de euros na compra de armamentos, como torpedos, no processo de transferência de tecnologia e no apoio logístico integrado. De acordo com a Marinha, mais de 30 empresas brasileiras serão beneficiadas com compensações oriundas do acordo.
A compra dos submarinos franceses foi acertada em dezembro do ano passado, durante visita de Sarkozy ao Rio de Janeiro, como parte do acordo de parceria estratégica entre o Brasil e a França. Agora, em setembro, será firmado o contrato de financiamento, com a definição das fontes de empréstimos e dos valores de juros praticados.
No dia 12 de agosto, a Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) autorizou a "preparação comercial" de um empréstimo de 4,3 bilhões de euros, por um consórcio de bancos liderado pelo BNP Paribas, e contrapartida brasileira de 598 milhões de euros. A soma não contempla o valor total do pacote, porque os recursos para a construção do estaleiro e da nova base naval serão desembolsados pelo Tesouro.
A Marinha analisou três projetos para aumentar sua frota de submarinos: o russo AMUR 1650, o alemão IKL 214 e o francês Scorpène. Segundo o comando militar, os estudos apontaram que o Scorpène atendia melhor às necessidades brasileiras, por ser "mais moderno" e ter "maior intervalo entre manutenções". Com restrições orçamentárias, no entanto, decidiu-se construir apenas mais um submarino. O programa nuclear, prioridade número um da Marinha, vinha sendo mantido em estado quase vegetativo desde 1996.
Nesse cenário, optou-se pela construção de um novo IKL 214, tendo em vista a existência de cinco submarinos alemães na frota atual. Em notas explicativas, a Marinha afirmou que buscava "manter a mesma linha logística" e "evitar que a escolha de projeto diferente, para a construção de uma única unidade, pudesse ensejar retaliações dos alemães, mediante o boicote de sobressalentes para os submarinos existentes".
O cenário mudou radicalmente no início de 2007, quando o presidente Lula conheceu o Centro Tecnológico da Marinha e o programa nuclear dos militares. Lula prometeu aplicar R$ 130 milhões por ano no desenvolvimento de um reator atômico. Faltava à Marinha a capacidade de desenvolver projetos de submarinos nucleares capazes de abrigar o futuro motor atômico.
Diante do novo quadro, a Força passou a buscar "parcerias estratégicas" com detentores dessa tecnologia e dispostos a transferi-la. A Alemanha não constrói submarinos de propulsão nuclear e a HDW, fabricante do IKL 214, acabou perdendo um contrato praticamente certo.
Dos três países com quem inicialmente havia feito contatos, a Marinha diz só ter encontrado disposição dos franceses em transferir tecnologia. "Depois de longo e acurado processo de escolha, a França foi o país selecionado, porquanto seu único concorrente, a Rússia, não desejava transferir tecnologia, mas, tão-somente, vender submarinos, o que não correspondia aos interesses do Brasil", afirma uma nota recente da Marinha.
A promessa da Força é ter o protótipo do reator pronto em 2014 e o submarino nuclear, em 2021. Como exige espaço maior, as obras para a construção do casco não poderiam ser realizadas no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, no centro da cidade, e decidiu-se então por erguer um novo estaleiro e uma nova base naval para abrigá-lo no futuro.
A reportagem enviou ontem perguntas à Marinha sobre o retrospecto comercial dos Scorpène e sua assessoria de comunicação informou não haver tempo hábil para o envio das respostas até o fechamento da edição. O diretor da DCNS responsável pelo Brasil, Éric Bertholot, foi localizado ontem à tarde. Ele concordou em dar entrevista à noite, mas não atendeu mais as ligações.
Marinha refuta informações erradas sobre submarino de propulsão nuclear
A Marinha do Brasil enviou neste domingo (16/08) ao jornal O Globo carta na qual refuta, ponto a ponto, as acusações e informações equivocadas sobre o Programa de Desenvolvimento de Submarinos, contida na reportagem "Submarinos com preço no céu" (15/08). Embora o jornal já tivesse sido alertado sobre os erros cometidos em reportagem anterior sobre o assunto, persistiu na disseminação das informações erradas. A carta aponta também diversos erros em cálculos sobre os valores do acordo com a França, previsto em 6,8 bilhões de Euros, a serem financiados em 20 anos.
Um dos erros primários contidos na reportagem, e que é raiz para outros equívocos que se seguem, é a presunção de que a Marinha poderia optar entre projeto alemão e projeto francês para desenvolver o submarino nuclear brasileiro. A Marinha reitera que são projetos incomparáveis, pois a Alemanha não possui submarino nuclear, e demonstra que o projeto alemão referia-se a submarino convencional- a diesel-, que era considerado em um momento no qual a Marinha não tinha perspectiva de avançar no seu projeto prioritário, que era o do submarinho a propulsão nuclear.
Esse quadro sofreu uma guinada em 2007, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acolheu recomendação do Ministério da Defesa e tomou a decisão política de dar prioridade à conclusão do reator nuclear brasileiro, destinado à propulsão do submarino e à geração de energia elétrica para uso civil. O projeto foi reconhecido, portanto, como estratégico para o País, e não apenas para a Marinha.
Diante da possibilidade de retomar seu projeto prioritário, a Marinha mudou seu planejamento inicial e buscou parcerias que ajudassem o Brasil a pular etapas. A França, por exemplo, que já projetava e construía submarinos convencionais quando decidiu passar a fazer os nucleares, demorou 20 anos para fazer seu primeiro equipamento. E o Brasil não tem ainda a capacidade de projetar submarinos convencionais, apenas de construí-los.
O Brasil, portanto, precisava fazer parceria com um país que produzisse os dois tipos de submarinos- o convencional e o com propulsão nuclear- de modo a que pudesse começar o aprendizado no projeto e na construção dos modelos convencionais, até chegar ao modelo a propulsão nuclear, que seria dotado de um reator de tecnologia e fabricação nacional.
Apenas dois países fabricam os dois tipos de submarino, e , portanto, estavam tecnicamente aptos a fazer a parceria: a França e a Rússia. Este último, no entanto, não tinha intenção de transferir tecnologia, mas apenas vender submarinos. Já a França, se dispôs a assinar um acordo de parceria estratégica e a transferir as tecnologias de projeto e construção, exceto das partes nucleares, que o Brasil já desenvolve por conta própria. Para isso, foi assinado o acordo atual.
Estaleiro e Base - A Marinha rebateu ainda em sua carta a informação falsa de que a França teria imposto ao Brasil a construção de um estaleiro e de uma base específicos para os submarinos a propulsão nuclear. A nota explica que a nova base já estava prevista desde a década de 1970, e que o próprio local de instalação já está escolhido desde 1993.
A Força explica que nenhum estaleiro atual atende às necessidades técnicas e ambientais para a construção de um submarino a propulsão nuclear, e a atual base de submarinos, "localizada no interior da Baía de Guanabara, junto à ponte Rio-Niterói, sequer tem profundidade junto ao cais para permitir a atracação de um submarino desse tipo, além de não atender aos requisitos ambientais que se impõem".
Portanto, fica claro com os esclarecimentos da Marinha que o país só poderia construir e manter os novos submarinos nas instalações atuais se desistisse da propulsão nuclear a continuasse apenas com os submarinos convencionais. Isso significaria ceder às pressões de interesses alheios à vontade nacional e abrir mão de décadas de pesquisas essenciais à indústria civil e aos objetivos da Estratégia Nacional de Defesa, que propugna o fortalecimento da proteção de nossas riquezas marítimas e a autonomia tecnológica como meio de assegurar a soberania nacional.
A Marinha esclarece ainda que foi exigida da parceira francesa DCNS (Directions de Constructions Navales Services) , que é estatal mas opera com regras de empresa civil, de acordo com a legislação francesa, que as obras civis fossem feitas por uma construtora brasileira. Por livre escolha, a DCNS incorporou a construtora Odebrecht ao consórcio, para tal finalidade. A Marinha reiterou também que em nenhuma circunstância a escolha da construtora seria feita por licitação, pois tratam-se de instalações nucleares militares, de caráter sigiloso, cujos projetos não são passíveis da divulgação pública inerente a licitações.
Fonte: Valor e Ministério da Defesa